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Cuiabá, 02 de Janeiro de 2025
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25 de Julho de 2013, 08h:48 - A | A

OPINIÃO / ROBERTO BOAVENTURA SÁ

De José a Jorge

O papa tenta salvar a própria Igreja, atolada em pecados mortais



Mesmo contra minha vontade, algumas coisas me escravizam no cotidiano. A pauta jornalística é uma delas; e é pauta desta semana a vinda do Papa Francisco ao Brasil.

Aqui, ele – o novo astro pop produzido pela mídia – está participando da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, que – apesar de Sérgio Cabral e outras figuras de nossa política – continua lindo.

Por conta de mencionar o Cabral acima, lembrei-me do outro Cabral, o Pedro Álvares: aquele a quem a história oficial diz ter descoberto o Brasil, após ter “errado o caminho para as Índias”.

Sorte de Caminha – agora, o Pero Vaz – a quem coube escrever uma Carta – a do “Descobrimento” – à Coroa Portuguesa, bem na entrada do século XVI.

Assim, com o “espírito” já voltado ao início de nosso período colonial, recordei-me de outra figura: a do jesuíta José de Anchieta, ou o “Apóstolo do Brasil”, que por aqui chegou em 1553, com menos de vinte anos de idade.

Anchieta era novo e noviço; e se padecia de “espinhela caída”, tinha o pleno funcionamento de sua privilegiada mente. Esse padre espanhol, que na adolescência estudara em Portugal, foi um dos jesuítas mais influentes de nossa história, pois participou de forma ativa do trabalho missionário que cabia aos inacianos, principalmente no novo mundo.

Isso significa dizer que, mesmo movido pela melhor das intenções, Anchieta foi um dos principais agentes religiosos da Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, no processo de aculturação de nossos indígenas, que eram felizes e sabiam disso.

Aqui, vale lembrar que aculturar pressupõe subjugar outrem; ou seja, Anchieta tinha de submeter os indígenas à cultura judaico-cristã, àquela altura, já bem distante da exemplar vida de Cristo e aderente à lógica mercantilista do “sagaz Brichote”, do qual, condenando-o, falaria o poeta Gregório de Matos no séc. XVII.

Fosse como fosse, por perigosa convicção religiosa medieval, autoritária por excelência na crença de seu deus único, poderoso, onisciente e onipotente, Anchieta tinha de “salvar as almas” de nossos indígenas.

Salvou-as. Deu no que deu. Pobres indígenas!

Para o sucesso de sua missão, o jesuíta aprendeu o idioma tupi. Assim, começou a impor o catolicismo aos silvícolas. Astutamente, soube transpor o medo que os indígenas tinham dos anhangás (espíritos que vagavam pela Terra após a morte, atormentando os vivos) para a figura do demônio da simbologia cristã.

Dessa forma, Anchieta encontrou o meio de condenar a antropofagia, a poligamia e a embriaguez dos indígenas, esta advinda do transe provocado pelo cauim e outros alucinógenos usados em rituais próprios.

Entrementes, e paradoxalmente, e sempre de “batinas justas”, aquele jesuíta – de boa alma – teve também a árdua tarefa de tentar salvar os índios dos abusos dos exploradores portugueses que queriam escravizá-los, além de roubar-lhes as mulheres e os filhos.

Pobres indígenas! Só perdas!

Em resumo, Anchieta, como poucos, ajudou muito a Igreja Católica a se estabelecer no paraíso perdido pelos índios que, hoje, com suas “almas salvadas”, lutam por demarcação de reservas de terra para sobrevivência nesse “mundão de Deus”.

Agora, a vez é do jesuíta Jorge Bergoglio, o Papa Francisco. Sua missão, não fosse a força do sopro terreno de ares ainda medievais, seria impossível. Afinal, mais do que salvar almas de humanos privados de vida digna alhures, o Papa tenta salvar a alma e o corpo, mas da própria Igreja, atolada em pecados mortais (corrupção, pedofilia...), cometidos em toda parte por onde estabeleceu seu império, hoje, em pleno declínio.

ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Ciência da Comunicação pela USP e professor de Literatura da UFMT.

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