A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos.
Todo ser humano já nasce com direitos e garantias, não podendo estes ser considerados como uma concessão do Estado, pois, alguns estes direitos são criados pelos ordenamentos jurídicos, outros são criados através de certa manifestação de vontade, e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas.
As pessoas devem exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.
Os direitos humanos têm uma posição bidimensional, pois por um lado tem um ideal a atingir, que é a conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e por outro lado, assegurar um campo legítimo para a democracia.
A par disso, sabemos que o titular desse direito individual é o ser humano, seja ele alto, ou baixo honesto ou desonesto cumpridor da lei ou criminoso. Não se discute que o combate à criminalidade cabe exclusivamente ao Poder Executivo, por intermédio das polícias, e do Ministério Público, titular que é da ação penal. Ocorre, porém, que esse combate fatalmente há de colidir com os direitos individuais.
Seguindo esse raciocínio, sabemos que o artigo 129, VII da Constituição Federal conferiu a combativa instituição do Ministério Público o exercício do Controle Externo da Atividade Policial, objetivando que seja exercida fiscalização sobre as atividades da polícia em sua missão de apurar as infrações penais, para o inquérito seja revestido, repita-se, revestido de elementos fortes a dar suporte a futura ação penal e ao próprio processo penal, bem como que a atividade policial trilhe pela total legalidade.
Pois bem.
Assistimos com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba (SE), em que uma ação envolvendo policiais rodoviários federais resultou na morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos na última quarta-feira após uma desastrosa abordagem policial, cuja ação da ‘violência’ viralizaram nas redes sociais pelo mundo todo. O vídeo mostra o Genivaldo sendo arrastado pelo chão e, ainda vivo sendo trancado no porta-malas de uma viatura onde os policiais detonaram bombas de gás. Toda a ação foi registrada por testemunhas.
Com os rostos cobertos por capacetes, os policiais aparecem nos vídeos tentando fechar o porta-malas da viatura sobre as pernas da vítima, que estavam fora do veículo e, para tentar impedir a resistência de Genivaldo, os policiais atiraram as bombas no interior do carro.
Sem dúvida, a truculência e os despreparos demonstrados nos vídeos chocam, basicamente, pelo abuso nítido na conduta dos policiais, que agiram de forma desmedida, empregando força além da necessária para o caso, em total descompasso com as garantias constitucionais, legais.
Com efeito, é inadmissível que um órgão estatal, cumpra sua altaneira missão violando a norma legal. Nada justifica e tampouco autoriza que alguns de seus integrantes, independente do móvel de que imbuídos, operem à margem da lei no exercício de suas funções. Com tal não se pode compadecer, exigindo-se, pois, ampla apuração e severa punição.
Sem embargo, não se trata de ‘desconfianças’ quanto aos rumos que se pode dar às investigações, mas de legitimidade e interesse mesmo da OAB nacional em acompanhá-las, até porque, dentre suas funções institucionais está a de agir em defesa da Constituição, da Ordem Jurídica do Estado Democrático de direito, e de pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições [Lei n. 8.906/94, art. 44, I], especialmente diante desses deploráveis fatos, enormemente repudiado por todos.
O Conselho Federal e a Seccional de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil manifestam indignação pelo assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, praticado com fortes indícios de tortura, e atuarão diretamente no caso para cobrar das autoridades as providências cabíveis, inclusive prisão cautelar dos envolvidos, afirmou a nota, assinada pelo presidente em exercício do Conselho Federal da OAB, Rafael Horn; o presidente da OAB-SE, Danniel Costa; e do atuante e renomado Procurador-Geral do Conselho Federal da OAB, advogado do nosso Estado Ulisses Rabaneda.
A entidade afirmou que o assassinato de pessoas negras no Brasil não é um caso isolado. “As instituições lamentam o triste episódio, que não pode ser considerado isolado, pois o assassinato sistemático de pessoas negras é uma triste realidade de nosso país, que carece de ações específicas para ser superada”.
O Brasil inteiro tornou-se testemunha desse crime ‘hediondo’ graças aos vídeos feitos por moradores de Umbaúba, que a tudo assistiram em agonia, desespero, horror. E resignação diante de um poder sem freios. Como exigir que interviessem, que impedissem? Um dia antes, uma operação deflagrada pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), da Polícia Militar do Rio, em conjunto com a PRF, havia deixado um rastro de pelo menos 23 cadáveres na Vila Cruzeiro, favela da Zona Norte da capital fluminense.
Como então não ter medo sendo apenas um cidadão civil e negro?
É evidente que não estamos diante de um caso de utilização de força necessária à condução de indivíduo que esboçou atos de resistência. A primeira pergunta que nos vem à mente é:
O que fazem as Corregedorias para evitar que cheguem a tais incidentes? Afinal, na maioria das vezes, os casos noticiados na mídia não ocorrem isoladamente, ao contrário, é fruto da tolerância daqueles que têm o dever de controlá-los. Em outras palavras, a ausência de controle estimula a prática de infrações? Eis a questão!
Diante desses fatos, precisamos estar em permanente estado de vigilância, para ao um só tempo defender a sociedade daqueles que teimam em fazer do público o privado, que insistem em macular a vida de cidadãos de bem, mantendo-se firme na vigilância do Estado Democrático de Direito, da ampla defesa e o devido processo legal, princípios basilares, porque contra esse paradoxo intolerável, todos os cidadãos, independente de origem profissional ou social, têm o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do país, em defesa dos valores essenciais da vida coletiva e da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República.
A OAB estará sempre atenta em defesa dos inocentes!
José Ricardo Costa Marques Corbelino é advogado e membro da ABRACRIM.