Há algum tempo o querido amigo, o advogado Eduardo Mahon, mantinha uma página de entrevista dominical no suplemento cultural do jornal Diário de Cuiabá. Teve a gentileza de me convidar pra ser o seu entrevistado.
Nossa conversa foi longa e resgatou a antropologia política que construiu a nossa sociedade e o Estado brasileiro.
Em 1500 a Coroa portuguesa enviou a terceira linha dos seus burocratas pro fim do mundo. Aqui eles ganharam vida e espaço. As gerações seguintes foram mais burocratas e militares de baixíssima patente. Uma burocracia estatal desse nível não produziria grande coisa. Os três governadores gerais, a partir de 1548, não melhoraram a qualidade da gestão da Coroa. Ao contrário. Trouxeram os seus protegidos e se estabeleceu a burocracia da proteção “dos meus”.
Daí pra frente o Império e a República não mudaram o tom. O Estado tornou-se a fonte do enriquecimento individual, das famílias, dos troncos familiares e dos negócios. Nada no Brasil floresceu desde então que não tenha aproveitado a sombra larga e generosa dos recursos públicos.
Mesmo hoje, o sistema empresarial brasileiro navega à sombra do Estado. Desenvolveu enorme capacidade de vitimar-se e obter favorecimentos.
De outro lado, a burocracia estatal influenciou a política e estabeleceu-se uma convivência siamesa com direitos e favores de mútuo interesse. A Constituição de 1988 conseguiu a façanha de por moldura nessa convivência promíscua de interesses.
Construiu um Estado monstruoso e gigantesco. A sociedade é incapaz de mover-se contra ele. Pra mover-se, precisaria de um elemento que foi eliminado da vida brasileira: a cidadania. Como se constrói a cidadania? Com a educação. Esta foi propositalmente destruída do ensino fundamental à graduação.
Contudo, a desordem acabou por se instalar no Brasil. O Estado anarquizou-se. A sociedade se decompõe. A pandemia se sobrepõe como um problema que testou tanto o Estado na sua capacidade de solucioná-lo, como a sociedade no papel de moderadora dos seus próprios interesses.
Muitas questões novas se colocam neste momento que antecede a uma eleição presidencial no ano que vem. Sua construção vem se dando pelos piores caminhos e pelas mais horrendas perspectivas. O quadro mostra uma coisa clara: não existem interlocutores no país, capazes de organizar um pensamento coletivo na direção de um projeto de país.
O que existe, repete velhos projetos de poder que vem desde o descobrimento em 1500. Lembro-me do amigo Eduardo Mahon, e me pergunto: por onde começaremos a construir um país de futuro
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso.