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Cuiabá, 21 de Dezembro de 2024
21 de Dezembro de 2024

10 de Outubro de 2024, 13h:00 - A | A

OPINIÃO / Gisele Nascimento

A mãe que partiu

GISELE NASCIMENTO



Letícia e sua imã Verônica, duas meninas encantadoras, uma de seis anos e a outra de três, moram com o pai em uma pequena propriedade rural, após a mãe delas ir embora, deixando-as, aos cuidados exclusivamente do pai, que é um homem de quase 60 anos, que se viu obrigado a desenvolver tanto a figura paterna, como materna.

Ele acorda cedo, organiza os serviços domésticos para deixar para as pequenas, que acordam e vão para a casa da babá que mora quase em frente a casa delas, bastando atravessar a rua.

Por lá, elas ficam até o horário de irem para à escola por volta de 12h00, quando o ônibus da zona rural as pega e deixam-na escola. Quando elas retornam para casa, já no começo da noite, o pai já está em casa, aguardando-as, para brincarem e conversarem, após ele ter enfrentado mais um dia de muito serviço no campo.

Quando cheguei, Leticia, a mais velha me disse logo de cara que a sua mãe havia ido embora.

Emendou dizendo, que o seu pai não sabia o número do seu próprio celular, então, porque ela deveria saber o número do celular do pai, se nem ele mesmo sabia? Eu gargalhei com essa colocação dela. A menina é muito esperta.

Essa situação me fez refletir, e fui ler para formar um raciocínio acerca do abandono materno, que é um tema complexo que envolve uma série de fatores emocionais, sociais e psicológicos. Fiquei pensando, o porquê dessa mãe ter ido embora e deixado para trás as suas duas filhas, vez que quem mais abandona seu filho é o pai?

Pelo que se vê hodiernamente, é que muitas vezes a decisão de uma mulher de deixar seus filhos é influenciada por circunstâncias difíceis, como problemas de saúde mental, falta de apoio social, violência ou dificuldades financeiras.

Para algumas mães, a pressão e a sensação de inadequação podem levar a um ponto de ruptura. As emoções de uma mãe que toma essa decisão podem ser ambivalentes; ela pode sentir culpa, tristeza e até um alívio temporário, dependendo das circunstâncias que a levaram a tal escolha.

A rotina de uma criança que enfrenta a ausência da mãe pode ser marcada por uma série de desafios. Ela acorda cedo, muitas vezes se arrumando sozinha, já que seu pai pode estar ocupado com o trabalho. O café da manhã é um momento solitário, e a falta da figura materna pode gerar sentimentos de saudade e confusão.

Na escola, ela tenta se concentrar, mas a mente pode divagar, pensando na mãe que não está presente. À tarde, ao voltar para casa, sua responsabilidade aumenta; ela ajuda com tarefas simples e cuida da irmã mais nova. Durante os momentos de lazer, brinca sozinha ou tenta envolver o pai nas atividades, buscando preencher o vazio deixado pela mãe.

O pai, ao assumir a responsabilidade de cuidar das filhas, enfrenta um cotidiano repleto de desafios. Ele precisa equilibrar a demanda de um emprego muitas vezes extenuante com as necessidades emocionais das crianças.

O trabalho, além de garantir sustento, exige sua atenção e energia, tornando difícil dedicar tempo suficiente às filhas. A comunicação aberta se torna fundamental; ele tenta criar um ambiente seguro para que as meninas possam expressar suas emoções.

No entanto, a pressão para ser o “pai e mãe” ao mesmo tempo pode levar ao estresse e à sensação de inadequação, de incompetência e muito medo.

As consequências emocionais da ausência materna nas filhas podem ser profundas. A falta de um vínculo, ou maternal está frequentemente ligada a problemas de autoestima e dificuldades de relacionamento.

As crianças podem desenvolver sentimentos de abandono, o que pode afetar sua capacidade de confiar em outras pessoas e de formar vínculos saudáveis no futuro. Além disso, o desenvolvimento emocional e social pode ser prejudicado, gerando dificuldades na escola e nas interações sociais.

O genitor me questionou sobre a questão de regularizar a guarda das filhas. Nesse caso, o pai deve seguir alguns passos legais. Inicialmente, é importante formalizar a situação da guarda por meio de um advogado. Ele pode apresentar argumentos baseados no melhor interesse das crianças, destacando que elas precisam de um ambiente estável e seguro, que ele pode proporcionar, pois estão em desenvolvimento e crescimento.

A capacidade dele de cuidar emocional e fisicamente das filhas é um ponto crucial, assim como a criação de um ambiente onde elas possam expressar suas emoções.

A sociedade muitas vezes encara a situação de um pai que assume o papel de mãe com preconceito e estigmas. Existe a ideia de que a figura materna é insubstituível, o que pode fazer com que ele enfrente críticas e julgamentos sobre sua capacidade de ser um bom cuidador, ainda mais em se tratando de duas meninas.

Além disso, pode haver uma falta de compreensão sobre a dinâmica familiar moderna, levando a uma marginalização da paternidade ativa. Este preconceito pode dificultar ainda mais a busca por apoio e recursos que ajudem na educação das filhas.

A situação de uma mãe que abandona suas filhas é multifacetada, e suas repercussões afetam não apenas as crianças, mas também o pai que se vê no papel de mãe. Ele me disse que precisava ir à cidade comprar sandálias, roupas e bonecas para as filhas, já que a mais velha há dias havia pedido a ele uma sandália.

Fiquei ali sentada, sem piscar, ouvindo aquele pai que parecia bem perdido, mas ao mesmo tempo, extremamente, amoroso e cuidadoso com as filhas.

A compreensão e a empatia em relação a essas dinâmicas são essenciais para abordar os desafios enfrentados e buscar soluções que priorizem o bem-estar das crianças.

Esse fato é real, e senti muita vontade de compartilhar com vocês, vez que sou mãe, e jamais, em qualquer circunstância abandonaria os meus filhos, contudo, não julgo nenhum genitora por tê-lo feito.

Gisele Nascimento é advogada especialista em direito previdenciário.

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