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Cuiabá, 30 de Dezembro de 2024
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16 de Julho de 2014, 10h:38 - A | A

OPINIÃO /

O brilho dos alemães

Copas nos ensinam muito; raras são as chances para elevar nossas vidas

ROBERTO BOAVENTURA



Como muito já foi falado, mas nem tudo dito, mesmo já na era d.C. (depois da Copa), de todas as lições deixadas pelos atletas da Alemanha, destaco a mais importantes, e que já estava passando batida. 

Antes, convenhamos: as copas nos ensinam muito; pena que são raros os ensinamentos que ajudam a elevar nossas vidas tão secas de sabedoria. 

Como exemplo, detenho-me às narrações das partidas pelas TVs. Cada vez mais elas se assemelham. 

Parece até que os locutores recebem um cardápio único de informações inúteis. O que muda é a estridência do narrador que grita gol. 

Assim, na condição de telespectador, aprendo em quantas partidas cada atleta vestiu a camisa das seleções, a altura e o peso dos jogadores, quantos gols cada um fez, de quantas copas já participaram, quantos pares de chuteira cada um tem, seus pratos prediletos, os de suas mães, dos avós, dos primos de segundo grau, quem são suas namoradas etc. 

A lista de estupidez é uma interminável enciclopédia aos seres mais mexeriqueiros que a Terra poderia criar.

Agora, vamos à lição central dos alemães. Ela se encontra em um detalhe de um vídeo produzido pela Federação Alemã; aliás, já retirado do site. 

Agora, só é encontrável no Youtube. Particularmente, assisti ao vídeo no blog de Esportes do Estadão, edição de 07/07/2014. 

No texto que o introduz, é dito: “Depois de vinte e oito dias no Brasil, a Alemanha – hospedada em Santa Cruz Cabrália, na Bahia – é a seleção que mais parece estar se divertindo durante a Copa do Mundo... No vídeo, a Federação Alemã mostrou a visita dos pataxós, os jogadores alemães arriscando palavras em português... Na trilha sonora, ‘A Luz de Tieta’, música de Caetano Veloso, na voz de Margareth Menezes com a Relight Orchestra”.

Aqui está o grande ensinamento dos alemães aos brasileiros. Antes, é bom lembrar: essa música só surgiu porque Jorge Amado, em 1977, publicou o romance Tieta do Agreste. 

Em 1989, a Globo o adaptou para telenovela. Em 1996, o cinema nos brindou com outra adaptação. 

Seu enredo: Tieta, ainda adolescente, é surrada pelo pai e expulsa de Santana do Agreste, graças à delação de suas aventuras eróticas por parte de sua irmã mais velha.

Vinte e cinco anos depois, a personagem, já rica e quarentona, retorna “por cima da carne seca”. Com dinheiro e influência política, ajuda a família e traz benefícios – como a luz elétrica – à comunidade. 

Aos parentes e amigos, Tieta enriquecera no sul ao se casar com um industrial e comendador. 

Após muitos mexericos, sabe-se depois que Tieta se prostituíra e virara cafetina em São Paulo, razão de sua riqueza e de seu trânsito entre os poderosos.

Para o filme, Caetano compôs a música mencionada, da qual destaco a seguinte passagem: “...Todo mundo quer saber com quem você se deita/ Nada pode prosperar/ É domingo, é fevereiro/ É sete de setembro/ Futebol e carnaval/ Nada muda, é tudo escuro/ Até onde eu me lembro/ Uma dor que é sempre igual...” 

Na essência, essa letra tenciona um dos traços de nosso comportamento sociocultural. Destaca nossa ignorância produzida secularmente, mas agora selada pelo “futebol” e “carnaval”. 

Trata-se um de texto profundo e desconfortável; ele nos revela como povo de opções baixas, como, por exemplo a maestria na “arte do mexerico”. 

Assim, os alemães – dirigindo-se aos tietes brasileiros, que nem a luz de Tieta têm – nos ensinam que a dignidade existencial de um povo não pode se pautar pela lógica do panes et circenses; ou seja, do “carnaval” e do “futebol”; tampouco do mexerico.

Isso foi mais um gol...

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