ROBERTO BOAVENTURA
Gastando ou não, gostando ou não, sendo ou não cristão, o natal não falha. O comércio não deixa. Desde novembro ele já tenta nos empurrar seus produtos; nossos presentes. Creio, tudo por conta do ouro, da mirra e do incenso que os magos ofereceram a Cristo, nascido numa manjedoura, como é dito na Bíblia.
Junto com a sanha de comprar para presentear, seja lá quem for, mesmo os que nada têm a ver com o nascimento que se comemora, vêm as músicas natalinas. Dessa forma, todo ano é quase sempre o mesmo blim blom. E na mesmice de cada ano, destaco duas dessas canções. Uma é a universalizada “Noite Feliz”, do padre/poeta Joseph Mohr e do músico Franz Gruber, ambos alemães de uma vila de Oberndorf.
Uma versão da controversa história que envolve essa cantiga diz que o padre Mohr, após ter feito um poema sobre o nascimento de Cristo, procurou por Gruber para musicá-lo. Havia pressa. O poema seria recitado – ou cantado – horas depois na missa de natal – ou do galo – do vilarejo.
De minha parte, só por saber dessa pressa do padre, tendo a descartar as outras versões e crer nessa mesma; afinal, a pressa é velha inimiga da perfeição, seja lá pra quem for, seja lá de onde for.
Mas por que digo isso sobre “Noite Feliz”, cantada no mundo todo?
Porque sua letra não condiz com a melodia. Enquanto uma tenta apontar para a felicidade, por conta do nascimento de alguém importante, a outra é um dos exemplares mais clássicos do tédio musical. Logo, é comum ver todo mundo, alhures, cantando a felicidade pelo nascimento de Cristo, mas com a cara de tristeza, quando não de velório.
“Noite Feliz” – em termos melódios – é triste. Por isso, a meu ver, até o universal, profano e enjoado “Happy Birthday to you” seria mais pertinente, principalmente ao nascimento em questão; ele é mais feliz, seja cantado de dia ou de noite.
Trata-se de “Boas festas”, mais conhecida como “Anoiteceu”, composta na década dos 30, do século XX, por Assis Valente, que a gravara originalmente – com Carlos Galhardo – em alegrado ritmo de marcha.
Depois dessa clássica gravação, outros tantos cantaram-na, mas, em geral, em ritmo de samba. Vejamos a letra:
“Anoiteceu, o sino gemeu/ A gente ficou feliz, a rezar/ Papai Noel, vê se você tem/ a felicidade pra você me dar./ Eu pensei que todo mundo/ fosse filho de Papai Noel/ Bem assim, felicidade/ Eu pensei que fosse uma brincadeira de papel/ Já faz tempo que eu pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem/ Com certeza já morreu/ Ou então felicidade/ É brinquedo que não tem.”
Pois bem. Em termos melódicos, marcha ou samba dificilmente se casa com essa letra, tão irônica quanto triste; a menos que ambos os ritmos fossem executados da forma mais melancólica possível. Nesse sentido, Orlando Silva apressou-se em adequar letra e melodia num ritmo mais próximo daquilo que se identifica popularmente como canção.
Nessa mesma linha, décadas após, Maria Bethânia encontrara a melhor união sonora para “Boas Festas”. Sua dorida interpretação é de quem entende o que canta: a dor de um desvalido em clima de natal, destacando a tão grotesca quanto ilusória figura do papai Noel. Aliás, desse, dispensando os presentes do comércio, o desvalido de “Boas Festas” quer tão somente a felicidade, se é que o próprio velho Noel a tem. Mais: se é que ele ainda não morreu, uma vez que para todos – com certeza – ele nem nasceu; assim como a felicidade.
Boas festas! Ótimo 2014!