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Cuiabá, 22 de Dezembro de 2024
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07 de Julho de 2014, 08h:30 - A | A

NACIONAL / GRAMPO

Argelino tido como chefe da máfia de ingressos ligou 900 vezes para a Fifa

Argelino apontado como chefe de quadrilha foi preso no Rio. Lamine Fofana conseguia ingressos exclusivos de convidados dos patrocinadores da Copa.

G1/RJ



Conheça o homem que só precisava de um telefone e das conexões certas para negociar milhares de ingressos da Copa do Mundo e conseguir milhões de dólares de lucro. É tanto dinheiro, que até carro forte foi usado para abastecer a quadrilha que vendia entradas para todos os jogos da abertura à final do torneio. Do assento mais barato ao camarote mais luxuoso.

Quem é e como agia Mohamadou Lamine Fofana, o operador da máfia dos ingressos ilegais que foi preso esta semana no Rio? Saiba como policiais se infiltraram na quadrilha para monitorar os passos de cada integrante do esquema, uma quadrilha sem limites, que tentou subornar uma delegacia inteira.

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A história é contada com vídeos, telefonemas, cadernos de contabilidade, emails, mensagens de celular - tudo exclusivo, na reportagem de Bette Lucchese, Tyndaro Menezes e Arthur Guimarães.

“Nós estamos com um mandado de busca e apreensão na casa do senhor. Nós vamos fazer uma verificação na casa do senhor. Depois o senhor vai acompanhar a gente na delegacia”, diz um policial.

Manhã de terça-feira (1º) em um condomínio da Barra da Tijuca. Equipes da Polícia Civil do Rio de Janeiro prendem o argelino Mohamadou Lamine Fofana, apontado como o chefe de uma máfia internacional de cambistas.

O vídeo, inédito, mostra as primeiras explicações que Lamine Fofana dá à polícia sobre o que ele estaria fazendo no Brasil. Ele se apresenta como empresário.

Policial: Vamos dar uma olhada aqui na sua casa, tá? Ingresso para jogo de futebol, onde o senhor tem os ingressos aí guardado? Ingressos para partida de futebol?
Lamine Fofana: Sim, da minha empresa.
Policial: Onde estão os ingressos?
Lamine Fofana: Vou mostrar pro senhor.

Lamine mostra ingressos.

Policial: Não tem mais ingresso?
Lamine Fofana: Não. Esse é da minha empresa. Fui com a minha família.
Policial: Quanto tempo o senhor passa aqui no Brasil?
Lamine Fofana: Eu vim ficar dois meses para trabalhar em um evento com a seleção brasileira.

Na verdade, segundo a polícia, Lamine Fofana veio operar um superesquema de venda ilegal de ingressos. Um caderno encontrado com ele seria uma prova disso. “Tá vendo aqui, a contabilidade, os jogos, os valores dos ingressos, tudo na casa do Lamine”, afirma o delegado.

O argelino tenta explicar a contabilidade. “Aqui tem tudo que eu vou comprar para a Fifa”.

Comprar para a Fifa? Não precisa ser fanático por futebol para querer estar dentro dos estádios nos dias de jogos da Copa: a alegria e a emoção proporcionadas pelo evento, a importância de testemunhar o que entra para a história. Os ingressos geram cobiça, e Mohamed Fofana controlava o preço das entradas no mercado clandestino.

O Fantástico teve acesso com exclusividade à contabilidade feita pelo argelino. A capa tem o escudo da CBF, mas é um caderno comum, comprado em uma papelaria.

Em uma página aparece a contabilidade do jogo Brasil e Croácia, a partida de abertura da Copa. São 52 ingressos VIP, que dão direito a lugares reservados em camarotes, com serviço de alimentação e bebida. Tudo cotado em dólar. Os da primeira categoria saem pelo equivalente a R$ 12,6 mil. Os da segunda custam pouco mais de R$ 11 mil.

No caderno aparecem ainda mais 20 ingressos para Uruguai e Inglaterra e 40 ingressos para Brasil e Camarões. O total de dinheiro que esses 112 ingressos movimentam: R$ 912 mil.

“Calculamos que seriam 64 partidas nesse evento de Copa do Mundo em que ele poderia render quase cerca de R$ 200 milhões em razão de, quando mais chega às finais, o preço do ingresso iria aumentando”, afirma o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Fábio Barucke.

Em outra página, anotações sobre o jogo final mostram que Mohamed Lamine Fofana tinha pelo menos 25 ingressos VIP antes mesmo de a Copa começar, cada um custando R$ 51 mil. Total: quase R$ 1,3 milhão.

Em um telefonema, gravado com autorização da Justiça, Lamine Fofana diz a um homem não identificado que tem ainda mais ingressos para a final.

Lamine: Quem tem 50 final na mão? Ninguém! Entendeu?
Homem: Ninguém tem.
Lamine: Eu tenho.

Quem é esse homem de quem o torcedor nunca tinha ouvido falar e como ele é capaz de conseguir tantos ingressos? Lamine Fofana atua há muito tempo no mundo do futebol, em vários países. Foi jogador na Europa e na América do Norte. Até ser preso no Rio, promovia jogos e prestava consultoria a empresas, times e jogadores.

“Ele é amigo de vários jogadores de futebol; ele tem contato com as federações, com as confederações. Então ele era um elo-chave na captação e venda desses ingressos”, afirma o promotor de Justiça Marcos Kac.

No site da empresa dele, Lamine Fofana se exibe em fotos com artistas de Hollywood e ex-jogadores brasileiros e estrangeiros. A empresa - Atlanta Sportif International - fica nos Estados Unidos, mas ele faz muitos negócios nos Emirados Árabes, como mostra um email obtido pela equipe do Fantástico. Lamine Fofana pergunta a um contato no Brasil se ele tem interesse em um time da segunda divisão nos Emirados.

E Mohamed Lamine Fofana sabe fazer agrados. Um vídeo feito pelos investigadores mostra o argelino fazendo compras ao desembarcar no Aeroporto Internacional do Rio. “Percebemos ele comprando uísque no aeroporto para presentear esses jogadores”, afirma o delegado.

Um dos presentes é uma garrafa de uísque em forma de chuteira. Ele foi também, de camisa branca, em uma festa, no Rio, oferecida a jogadores da seleção tricampeã brasileira no Rio. O fato de uma pessoa famosa aparecer em fotos e eventos ao lado do argelino não configura qualquer relação com as atividades ilegais de Lamine Fofana.

Na verdade, o chefe da quadrilha de cambistas é um sujeito sedutor, que na festa distribui os presentes comprados no aeroporto, por exemplo.

As conexões de Lamine Fofana não têm fronteiras. Em uma conversa em francês, um telefonema que ele recebeu pouco antes de ser preso, ele diz:

Lamine: Alô!
Contato: Lamine?
Lamine: Sim, sou eu. Você está onde?
Contato: Acabo de chegar em Bamako.
Lamine: Ah, sim, Bamako. Ok! Ok! Eu acabo de chegar ao Rio.

Bamako é a capital da República do Mali, na África.

Em outro telefonema, ele recebe, em inglês, encomenda de ingressos.

Comprado: Você tem um lugar muito bom? Como o que tivemos ontem? Para o próximo jogo em Brasília.
Comprado: Para a final também, ok?
Lamine: Vou trabalhar para final agora mesmo.

Depois, em francês, ele pede 30 ingressos a um contato no exterior.

Lamine: As 30 entradas que você tinha, você ainda tem?
Homem: Posso conseguir, sim.

Nesta Copa, segundo a Fifa, foram emitidos mais de 3,3 milhões de ingressos. Uma parte deles é destinada aos patrocinadores do evento, ao Comitê Organizador Local e às federações estrangeiras de futebol, entre outros. São empresas autorizadas que revendem espaços nobres, onde são montados camarotes, e o torcedor comum compra os bilhetes diretamente no site da Fifa.

“Existe alguém dentro da federação internacional envolvido, porque senão ele não conseguiria esse número excessivo de ingresso. Eles movimentavam pelo menos mil ingressos por partida e muito menos a qualidade dos ingressos”, afirma o promotor Marcos Kac.

O Fantástico apurou que existem 900 registros de ligações de Lamine Fofana para um dos celulares oficiais de uso da Fifa aqui no Brasil, nos dois últimos meses. Na quinta-feira passada, a Polícia Civil do RJ pediu à Federação Internacional de Futebol a lista de todos os números e o nome do usuário de cada linha.

“Estamos aguardando a boa vontade, para ver se eles vão ou não fornecer essa lista, mas nós temos outros meios na investigação para chegar aos nomes que a gente quer. E a gente está muito próximo de chegar nesse nome”, afirma o promotor.

No celular do argelino, o nome Fifa aparece associado a vários nomes. Em um, o contato inclui a palavra ‘tickets’, que em inglês quer dizer ingresso.

“Quando as pessoas interessadas nesses ingressos ligavam para ele, dizia que iria para o Copacabana Palace negociar para poder lá adquirir esses ingressos valiosos e transferir para os clientes”, afirma o delegado.

É no Copacabana Palace que está hospedada a delegação da Fifa.

Em outra troca de mensagens, Lamine Fofana diz a um interlocutor que está tudo certo porque ele, Fofana, está nesse mesmo hotel. O interlocutor responde: “Caramba, então vai dar tudo certo”.

Segundo a polícia, Lamine Fofana conseguia até ingressos que deveriam ser exclusivos de convidados dos patrocinadores da Copa e também entradas vendidas pelos agentes oficiais da chamada categoria ‘hospitalidade’, pacotes de luxo, com uma série de mordomias.

Um ingresso apreendido com o argelino, por exemplo, é de um desses agentes, a Pamodzi Sports Marketing, da Nigéria. Por e-mail, a empresa explica que os bilhetes não podem ser revendidos e que não tem controle sobre o uso deles depois da venda.

“O Lamine usava o seu poder de influência para conseguir ingressos que ninguém consegue no mercado comum”, afirma o delegado.

Lamine: Você quer dez ingressos, correto?
Homem: Correto.

Em um telefonema, Lamine Fofana conversa com um dos principais contatos dele no Brasil: Antônio Henrique de Paula Jorge, que também foi para a cadeia nesta semana. Antes de ser preso, Henrique tentou retirar de um banco R$ 177 mil em dinheiro vivo. Esse dinheiro o ajudaria a comprar para depois revender ingressos ilegalmente.

Em uma conversa, o gerente do banco diz a Antônio Henrique que toda essa quantia precisa de um esquema especial para ser transportada. “Amanhã, 10 horas, eu estou aí. Eu peço um carro-forte, entendeu, para você”, afirma o gerente.

Em outro telefonema, Antônio Henrique fala com um cambista que diz ter acesso a seleções da Copa para conseguir ingressos. “Henrique, deixa eu te falar: eu trabalho com três seleções. Eu tenho contato em três seleções. Por jogo posso ter 50, 100 ingressos”, afirma o homem.

Uma das seleções seria a brasileira, e o fornecedor estaria dentro da concentração da equipe, em Teresópolis, estado do Rio. “Eu tenho que ir buscar lá em ‘Gromary'. Não precisa falar mais nada, não, né? Da onde que é, não”, afirma o homem.

Antônio Henrique responde: “Tá bom, tá bom. Beleza”.

“Essa pessoa se dizia ter fácil acesso à Seleção Brasileira, que seria de conhecimento de um jogador de futebol que ele iria lá na Granja para pegar os ingressos que a Seleção teria recebido da Fifa ou da CBF a título de cortesia. E esses ingressos seriam captados para entregar para a quadrilha para poder vender para o público”, afirma o delegado.

Por telefone, a CBF não quis comentar o caso. Informou que não é parte da investigação. A assessoria de imprensa da entidade afirma que não circulam ingressos na Granja Comary, a sede da concentração da Seleção Brasileira.


Já o diretor de marketing da Fifa disse em entrevista coletiva que a entidade está colaborando com as investigações. “Eu estive com a polícia e outras autoridades do Rio para assegurar a melhor colaboração que podemos dar. Se eles tivessem o nome de algum oficial da Fifa, eles teriam investigado e pedido para falar com a pessoa. O que eu sei é que ninguém da Fifa foi abordado pela polícia”, afirmou.

A quadrilha é tão audaciosa, que tentou corromper os policiais dentro da delegacia que concentra as investigações. Com autorização da Justiça, os inspetores montaram uma armadilha para flagrar o suborno.

Em um vídeo, um integrante da quadrilha, Sergio Antonio de Lima, oferece ingressos e dinheiro a um inspetor. “Ele saiu da delegacia achando que nada tinha acontecido com ele, para que ele ficasse bem a vontade, continuando conversando, fazendo as negociações para que no final nós pudéssemos alcançar o maior número de integrantes da quadrilha”, afirma o delegado.

Ao todo, 11 pessoas foram presas. “As provas no inquérito policial, elas são contundentes, provando, passo a passo, tanto o crime de cambismo quanto a organização criminosa. Nós estamos ainda apurando evasão de divisa, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e mais alguns outros que a gente possa vislumbrar no curso da investigação”, explica o promotor.

Mesmo com as prisões, alguns contatos de Mohamadou Lamine Fofana continuam agindo. No caderno de contabilidade dele, aparece um nome, Olivier, e um número de celular. Ligamos para o número, perguntando por ingressos para a semifinal Brasil e Alemanha, na próxima terça-feira (8).

 

Oliver: Quantos ingressos você gostaria?
Produtor: Precisava comprar para pelo menos para cinco pessoas.
Oliver: Perfeito, temos. Temos.

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