DO FANTÁSTICO
Uma chacina em São Paulo: cinco mortes que pararam o Brasil esta semana.
Todas as vítimas são da mesma família. A polícia aponta Marcelo, um adolescente de 13 anos, como culpado. Ele também morreu.
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Em entrevista exclusiva ao Fantástico, um tio do menino conta como era a vida dos parentes. E diz que não consegue acreditar na culpa do jovem, que os mais chegados chamavam de Marcelinho.
A reportagem é de Alan Graça, Guilherme Belarmino e Valmir Salaro.
Rua Dom Sebastião, 42. Vila Brasilândia, zona norte da capital paulista.
Dentro de duas casas, que ficam no mesmo terreno, foram encontrados os cinco corpos da família Pesseghini.
“Eram pessoas que não eram muito extrovertidas, mas tranquilas. Tom de voz moderado. Enfim, muito educadas, respeitosas”, conta Neiva Damasceno, médica de Marcelo.
Neiva Damaceno é médica e professora de pneumologia pediátrica na Santa Casa de São Paulo.
O tio do Marcelo, irmão do pai dele, falou com exclusividade hoje à tarde ao Fantástico.
Nesta entrevista ao Fantástico, ela conta que atendia Marcelo , o menino suspeito de matar toda a família, desde que ele tinha 1 ano e 4 meses.
Fantástico: A última vez que a senhora atendeu o Marcelo, quando foi?
Neiva Damasceno: Há cerca de duas semanas.
Fantástico: E como ele estava?
Neiva Damasceno : Ótimo, como sempre.
Marcelo, que fez 13 anos em junho passado, tinha uma doença genética: a fibrose cística, que costuma levar a uma morte precoce. Apesar de os tratamentos terem avançado, ela ainda não tem cura.
“É uma doença que acomete todo o organismo, mas principalmente o pulmão porque ela acarreta a produção de uma secreção muito espessa. Qualquer criança que nasceu a partir do ano 2000, ela já tem uma expectativa de vida de pelo menos 40 anos”, explica Neiva.
Marcelo se consultava na Santa Casa de seis em seis semanas e tinha uma rotina diária de tratamento: fisioterapia respiratória e inalações duas a três vezes por dia. Por causa dessa doença, os pais tomaram uma decisão.
“Uma doença recessiva. Quer dizer, ela pode voltar a se repetir se houver um novo filho. Eles optaram por não ter outros filhos”, explica Neiva.
O pai de Marcelo, Luís; a mãe, Andréia; e a avó, Benedita, costumavam se revezar nas idas ao hospital.
O menino tinha 1,52 metro de altura e pesava 50 quilos. “Ele não tinha as chamadas crises respiratórias que são comuns na doença e ele atingiu esse início de segunda década de vida em condições excelentes de saúde. Ele era um menino muito educado, muito afetuoso, sorridente. Nunca tivemos problemas com o Marcelinho, com a família”, diz Neiva.
Segunda-feira passada, aconteceu o que a médica jamais poderia imaginar. Marcelo, os pais dele, a avó e a tia-avó, Bernardete Oliviera da silva, foram encontrados mortos, todos com marcas de bala. Até agora, a polícia tem um único suspeito: o menino, que a família chamava de Marcelinho.
O tio de Marcelo, irmão do pai dele, falou com exclusividade na tarde deste domingo, ao Fantástico. Ele não quis mostrar o rosto. A família dele, para o Marcelinho, era tudo. Ele amava o pai dele, a mãe. O Pai para ele era um herói. Era o super-herói dele. A avó ele amava muito, porque foi ela que criou ele, que cuidou dele. Porque os pais trabalhavam muito também.
Fantástico: o senhor afirmaria que o Marcelinho matou o pai, a mãe, avó e a tia?
Olha, todas as evidências levam a isso. Todas. Independente de laudo. No nosso entender, houve um desencadeamento de emoções do garoto que não sabemos ainda a motivação. Estamos caminhanho para isso”, diz o delegado Itagiba Franco.
O tio de Marcelinho não acredita na afirmação do delegado. “Eu acho que ninguém acredita nisso aí. Ninguém da família, os amigos”, diz o tio.
Na casa da frente do terreno, no quarto, estavam a tia Bernadete e a avó Benedita. Na casa ao lado, num colchão na sala: o pai e a mãe do menino, cada um com um tiro na nuca. E Marcelo, que foi encontrado deitado, com um ferimento à bala próximo ao ouvido esquerdo. Na mão esquerda, abaixo do corpo, ele segurava uma pistola ponto 40.
“A prova é realmente a arma que estava na mão dele. Que estava namão esquerda dele, canhoto”, destaca o delegado Itagiba Franco.
Fotos tiradas no do mês passado mostram que Marcelo escreve com a mão esquerda.
Segundo a polícia, Marcelo matou a família na noite de domingo para segunda. Depois, dirigiu o carro da mãe até a escola, a cinco quilômetros de distância. Câmeras de segurança, na rua do colégio, gravaram o momento em que o veículo foi estacionado. Era 01h21, madrugada de segunda-feira.
Não há registro algum de movimentação até as 06h25 da manhã, quando Marcelo sai pela porta esquerda do carro, atravessa a rua e caminha, de uniforme e mochila, em direção à escola.
Naquele dia, ele falou ‘professora, a senhora, quando criança, alguma vez magoou seus pais?’. Ela falou: ‘não. A senhora já dirigiu, já dirigiu alguma coisa? Porque eu já dirigi um buggy’. Ela estranhou a pergunta mas desconversou, não deu mais atenção”, diz o delegado.
De acordo com o melhor amigo, Marcelo Pesseghini disse, na segunda-feira, que aquele seria seu último dia na escola.
Esse amigo contou que não deu importância porque Marcelo já havia falado isso outras vezes e revelado um desejo: ser matador de aluguel. “Ele estava sempre comentando que iria matar os pais, de noite, sair com o carro, e ir para algum lugar abandonado”, completa o delegado.
Ao 12h05, Marcelo pegou carona, em um carro preto, com o pai de um amigo. No caminho, pediu para parar em frente ao veículo da mãe, estacionado na esquina. Foi até lá e pegou um objeto.
“Ele deve ter deixado a arma do crime no carro. E quando ele passou por lá, de carona, ele foi lá, pegou a arma do crime e retornou”, diz Itagiba.
No carro da mãe, a polícia encontrou luvas de plástico. A carona de Marcelo terminou na porta da casa dele. “Ele fala o seguinte, o pai do colega dele: ‘Quer que eu aperte a campainha?’ ‘Não não, eles tão dormindo’”, diz Itagiba.
O delegado tem uma suspeita. Quando ele voltou, viu os pais mortos, e pensou : ‘o que que eu fiz?’. Deve ter caído na realidade e tomado aquela atitude de tirar a própria vida”.
Quando a senhora soube dessa tragédia, como é que a senhora recebeu? “Confusa, assustada, chocada. Para mim, ele era uma criança. Uma doce criança. Como é que a gente pode atribuir um fato tão horrível a essa criança? É impossível para mim. Eu não tenho condições de avaliar o que aconteceu mas é muito chocante”, declara Neiva Damasceno.
Segundo a polícia, o menino aprendeu a atirar com o pai e a dirigir com a mãe. “É tudo mentira isso aí. O meu irmão era uma pessoa muito coerente enquanto a isso. O menino nunca mostrou interesse em dirigir e muito menos mexer com armas”, afirma o tio.
Luís era sargento da Rota, uma tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Andréia também trabalhava na PM. Era cabo. Era dela a arma usada no crime: uma pistola semi automática ponto 40.
Para mostrar como é essa arma, o Fantástico esteve na manhã deste domingo em um clube de tiro, em Botucatu, interior de São Paulo.
“Essa pistola é usada pelas policias civil e militar é de fácil manuseio, travou ela está em posição de segurança, destravou, disparou. É de fácil manuseio mas requer certa habilidade para atirar”, explica o instrutor de tiro Marcelo Danfenback. “Se for um tiro por vez, de um em um, a pessoa consegue. Agora, uma sequência rápida de disparos, uma criança de 13 anos com essa arma, particularmente até hoje eu não vi”, completa.
O fato de a perícia não ter encontrado marcas de pólvora nas mãos de Marcelo tem explicação, segundo a superintendente da polícia cientifica de São Paulo. “A explosão de resíduos que vai para cima da vítima, da roupa da vítima, pras mãos do atirador, pras roupas do atirador. Num revólver, isso é muito porque é uma arma aberta. Já uma pistola, ela é feita para esse resíduo não sair. A pessoa pode ter disparado mas não necessariamente ele dá um resultado positivo”, afirma Norma Bonaccorso, superintendente da policia científica.
Para considerar o crime esclarecido, a polícia ainda precisa de algumas confirmações.
Os pais de Marcelo realmente tinham um bom relacionamento?
Eles não vinham sofrendo ameaças de criminosos ou de policiais corruptos?
Os parentes do menino estavam dopados, quando foram mortos?
E qual foi a ordem das assassinatos?
Pelas manchas no corpo do sargento Luís Pesseghini, os legistas estimam que o pai pode ter morrido até dez horas antes do restante da família. Um psiquiatra forense, do Hospital das Clinicas de São Paulo, sugere muito cuidado nas investigações. “É muito atípico e é muito estranho. Pelo fato de não ser normal uma criança matar a família toda e se matar na seqüência. Independente de provas, independente evidencias de pericia, já recomenda-se muita cautela”, porque é o raro do raro, analisa Daniel Martins de Barros.
Marcelo usava como imagem de seu perfil em uma rede social, a foto de um personagem de videogame, um assassino encapuzado.
Com os indícios apontados até agora pela políca, o que dá pra dizer sobre a personalidade do jovem?
“A rigor, você não pode afirmar que uma criança seja psicopata porque a personalidade dela não tá formada ainda. Com o que a gente tem até hoje, o que dá para dizer é que é muita irresponsabilidade afirmar um diagnóstico pra esse menino, nesse momento”, diz Daniel .
Na próxima semana, devem ser divulgados laudos que podem responder à principal dúvida. Por trás do sorriso de Marcelo, existia um assassino capaz de matar 4 parentes, inclusive os próprios pais?
Fantástico: Se confirmar essa tragédia e ele sendo o responsável?
Neiva Damaceno: O maior desafio que eu já vivi na minha vida.
Fantástico: Por quê?
Neiva Damaceno: Não há relato de uso de drogas, de anormalidade de comportamento. É como se amanhã, eu acordasse, pegasse um revolver e saísse, promovendo uma chacina. Ou qualquer criança normal, adolescente, pudesse acontecer isso, a qualquer instante. E eu acho que isso é assustador.
No Dia dos Pais do ano passado, Marcelinho fez uma surpresa para o pai. Uma cartinha lá escrita com um bilhete e um presente para o pai dele. “Pai, você é o melhor pai do mundo inteiro eu sempre vou te amar, um grande beijo e feliz dia dos pais”.