LUIZ FLÁVIO GOMES
Uma das características mais marcantes da era da pós-modernidade consiste na precariedade, que significa escasso, raro, insuficiente, incerto, contingente, inconsistente, insustentável, pouco durável, delicado, débil etc. Vivemos a era da precariedade. Tudo é precário. Até mesmo os desempregados já são chamados de “precários”. Precariado é o conjunto dos precários. A saúde pública é precária, a educação é precária, os transportes são precários etc. A insegurança individual e coletiva, por conseguinte, também é precária.
Aliás, a precariedade gerada pelo medo e pela insegurança está gerando uma intensa demanda punitivista. Todo mundo (praticamente) quer mais castigo. E pretende-se que o castigo seja cada vez mais rigoroso e isso está ficando muito patente nos meios de comunicação, nas entrevistas, nas pesquisas de opinião, nas manifestações populares nos veículos de comunicação etc. O risco de vitimização (de ser vítima de um crime) é percebido como algo inevitável. Sua expansão é incontestável (Pavarini).
Uma das maiores, provocadas pelo populismo penal, consiste precisamente no valor de “intercâmbio” que essa “mercadoria” (insegurança pública) está gerando entre a população (que vota) e o político (que é eleito). A politização (partidária, governamental) da política criminal (e, por conseguinte, da punitividade) é uma das marcas registradas do populismo penal.
Da democracia representativa (clássica), que se acha em aguda crise, passamos para a “democracia de opinião” (segundo Pavarini). Nunca talvez o poder punitivo estatal tenha se aliado (se aproximado) tanto do sistema político como agora (a ponto de já se falar em governança por meio da gestão da criminalidade). Governa-se de acordo com os referenciais emergentes da política criminal, que consistem nas emoções mais primitivas do ser humano (medo e rancor, ou seja, medo e vingança).
É de se lamentar que à situação de precariedade gerada pela insegurança pública os políticos (governantes e legisladores) e os agentes da repressão estão apresentando (como resposta) uma outra precariedade, que é a da ilusória resposta repressiva (hiperpunitivista): por mais que aumentem as taxas de encarceramento (Brasil, vice campeão mundial: 471%, de 1990 a 2011), o número de leis penais (Brasil: edição de 136 leis penais de 1940 a 2011), os gastos com a segurança pública (mais de 40 bilhões somente em 2010), o número de policiais, de juízes etc., nada se mostra suficiente (ou seja: tudo é precário) para conter a taxa de criminalidade e de violência massivas (Brasil: de 9,9 homicídios para 100 mil habitantes em 1979, passou para 26,9 em 2009). A uma precariedade respondem com outra precariedade. A solução é a prevenção. Mas disso ninguém fala nada!
Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).