ALEXANDRE APRÁ
Qualquer cidadão pensante tem o direito de conhecer, mesmo que minimamente, o sistema judiciário brasileiro. Independentemente de cor, raça, condição social ou formação acadêmica.
Partindo disso, todos sabem que numa apuração de delito criminal os passos são: investigação policial (indiciamento), formalização da denúncia ou não e recebimento ou não da ação penal. Só depois dessas três etapas alguém pode ser chamado de réu perante à Justiça brasileira para depois ser condenado ou absolvido.
Também é de notório saber que a investigação ou inquérito policial é conduzido pela Polícia Judiciária Civil, que a denúncia é ofertada ou não pelo Ministério Público (o único órgão que tem atribuição legal de propor ação penal) e que é o Poder Judiciário, em suas variadas esferas, quem analisa se recebe ou não e a julga. Tudo isso está na Constituição Federal e no Código de Processo Penal.
Nesta quarta-feira, Cuiabá foi surpreendida por uma decisão liminar do desembargador Juvenal Pereira da Silva, da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, suspendendo toda a investigação conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) contra o ex-presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, vereador João Emanuel (PSD), que ficou conhecida como “Operação Aprendiz”.
O objetivo dessa análise não é discutir a culpa ou não do vereador. Aliás, acho que só pelo vídeo amplamente divulgado pelos veículos de comunicação regionais João deve responder processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Aliás, se ele tivesse o mínimo de vergonha na cara já teria renunciado não só a presidência, como também o mandato. Infelizmente, não o fez!
A argumentação do nobre desembargador para justificar sua decisão é muito clara e objetiva: a ausência de um delegado de Polícia junto ao Gaeco. Para isso, ele citou a lei estadual que criou o órgão. Essa lei é de autoria do próprio Ministério Público Estadual (MPE), que tem atribuição de legislar sobre sua organização administrativa. Ele também citou um artigo do Código de Processo Penal que ratifica o entendimento de que cabe à Polícia Civil o indiciamento penal.
Mas, o que mais chamou a atenção foi a forma raivosa e grosseira que reagiram os promotores do Gaeco e até o procurador-geral de Justiça, que deveria zelar pela harmonia institucional com outros órgãos, como o Poder Judiciário.
Não é nada razoável tentar desqualificar a decisão de um magistrado, taxando-a de antiga e ultrapassada, sem explicar o porquê. Eu não conhecia esse dispositivo temporal, onde lei fica velha. Nunca ouvi falar disso! Talvez só envelhecem aquelas que convém, quem sabe.
Quem leu a íntegra da decisão judicial assinada pelo desembargador Juvenal Pereira pôde perceber que, em nenhum momento, ele cita que o MP é proibido ou impedido de fazer a investigação criminal. Apenas cita que a lei é muito clara ao regulamentar a obrigatoriedade de um delegado de Polícia na investigação.
Mas, os doutos promotores, infelizmente, não conseguem explicar isso. Por que não cumprem a lei – que tanto cobram! – e trabalham em conjunto com um delegado de Polícia, que tem a atribuição constitucional de conduzir inquéritos policiais?
Será que é por que todos os delegados de Mato Grosso são corruptos? Ou por que delegados poderiam questionar os métodos, os meios, os alvos, as linhas de investigação?
Recentemente, tivemos alguns episódios envolvendo o Ministério Público que comprovam a interferência política dentro do órgão, assim como também existe, e não há de se questionar, na Polícia Civil. Há três anos, se não fosse a pressão da imprensa, o MPE teria livrado o ex-governador Blairo Maggi (PR) de ser investigado no esquema de superfaturamento de maquinários no valor de R$ 44 milhões.
O Conselho Superior do MP só manteve as investigação em relação a Blairo, sim, por pura pressão da imprensa que bateu duro no assunto. Lá nesse Conselho, um grupo de procuradores considerados “pró-Maggi” tentou a todo custo o arquivamento, comportando-se como advogados do sojicultor. Nesse time estavam o atual procurador-geral Paulo Prado e o ex-procurador-geral Marcelo Ferra, ambos nomeados, em lista tríplice, por Maggi para assumir o comando do órgão.
No ano passado, assistimos um famigerado episódio, onde o Ministério Público deslocou seu aparato mais potente – o Gaeco – para tentar incriminar um empresário - rival da vítima, frise-se - por uma suposta tentativa de homicídio ocorrida numa fazenda em Várzea Grande. Tempos depois, uma Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por unanimidade, entendeu que não havia sequer indícios de provas para justificar uma ação penal contra o tal empresário.
A suposta vítima desse tal atentado é uma espécie de “braço operacional” de um robusto grupo empresarial, composto por empreiteiros e políticos conhecidos aqui em Mato Grosso. Um desses políticos, inclusive, está sendo investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), após o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) descobrir seu envolvimento em uma fraude milionária de R$ 700 milhões em um leilão judicial simulado.
Esse mesmo MP, que não deu um pio até agora sobre esse grande “esquemão” de R$ 700 milhões, fez questão de arquivar sumariamente e sequer instaurar procedimento de investigação (inquérito civil) uma denúncia feita pelo Isso É Notícia, baseada em documentos e fatos concretos que mostram indícios incisivos de fraude em uma licitação pública, onde o sócio desse político aparece como um dos vencedores, além de outras empresas com claros indícios de serem de fachada (ou fantasmas), com endereços duplicados, sem habilitação fiscal e sem especificação de atividade econômica junto à Receita Federal para locação de maquinários. Uma das empresas tinha como nome fantasia “Construpel – artigos de papelaria”.
Conseguem ver dois pesos e duas medidas? O mesmo MP que denunciou um esquema de fraude em licitação da Assembleia Legislativa, onde uma empresa de calcinha fornecia locação de horas de vôo, não consegue ver motivos sequer para investigar uma papelaria que aluga maquinários pesados!
Dá a ligeira impressão de que um bandido é do bem e outro bandido é do mal!
E eis que a Operação Aprendiz veio à tona, meses após a Câmara Municipal de Cuiabá tomar medidas que, digamos, chateou o mesmo grupo político que parece ter bastante “simpatia” do Ministério Público. Mais coincidência!
Também há um conhecido caso, onde um ex-procurador da República “sentou em cima” de um processo de um poderoso agricultor, hoje político, para lhe garantir a prescrição punitiva em uma ação que apurava uma fraude milionária em uma cooperativa de crédito. Anos depois, esse ex-procurador decidiu entrar para política e recebeu doações e andou de jatinho do tal empresário que ajudou a livrar. Ou é muita coincidência mesmo ou eu, jornalista, é que sou muito maldoso!
Ora, promotores! Não brinquem com a inteligência alheia. Se há crime organizado de um lado, quem é que garante que não existe crime organizado do outro lado, infiltrado, inclusive, dentro do Ministério Público para escolher esse ou aquele investigado? Será que uma investigação compartilhada com a Polícia Civil não seria mais isenta e transparente?
Promotores adoravam propagar aos quatro cantos na campanha contra a PEC 37: “quanto mais gente e órgãos para investigar, melhor”. E porque não aceitam a presença de um delegado de Polícia, compartilhando a investigação com quem tem o dever constitucional de investigar?
Essa seria uma alternativa até para dar mais legalidade às ações e tentar diminuir tantas denúncias de arbitrariedades feitas por advogados e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nessas operações que, em sua maioria, acabam paralisadas ou suspensas por descumprimentos de normas e procedimentos.
Adotar o discurso populista é bem mais fácil. Convenhamos, é difícil para a população entender esse debate que gira em torno de competências e o direito de ser investigado por quem tem a atribuição legal para isso. Tentar vender a ideia para a população de que só o Ministério Público é impoluto e capaz de combater o crime organizado é praticar desonestidade intelectual.
Sim, desonestidade intelectual. Eu fui e sou contra a PEC 37, que restringiria totalmente o poder de investigação do MP. Mas acho mais do que salutar que essa atribuição seja compartilhada com quem é de direito: a Polícia, oras!
Os nobres promotores deveriam, por exemplo, ter a honestidade de dizer à população que em 2013 o Congresso Nacional aprovou e a presidente Dilma sancionou a Lei Federal Nº 12.830, que ratificou a atribuição constitucional de investigar a delegados de Polícia.
Deveriam também ter a honestidade de dizer à população que a legalidade do MP conduzir inquéritos policiais isoladamente ainda está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Recurso Extraordinário Nº 593727., que ainda não foi julgado e está à espera de um voto-vista do ministro Marco Aurélio de Mello. O ministro-relator, Cézar Pelluso, votou no sentido de reconhecer a exclusividade do poder de investigação à Polícia Civil.
Os promotores de MT ainda tiveram a coragem de dizer, em entrevista coletiva, segundo publicou o site RD News, que foram barrados na Operação Aprendiz porque estão investigando colarinho branco. Que mentira deslavada! E desde quando o MP se interessa ou se interessou em investigar, em fase de inquérito, outros crimes, como do tipo “roubo de galinha ou de botijão de gás”? Nunca!
Ao invés disso, alguns promotores ficam sentados em seus gabinetes esperando a Polícia Civil resolver esses inquéritos pequenos, que não envolvem gente graúda. Enquanto isso, emitem despachos criticando delegados e policiais civis por falhas nos inquéritos, que muitas vezes ocorrem por reflexo da precariedade histórica da instituição. Nesses casos fazem questão de tratar os inquéritos como objetos leprosos!
Senhores promotores, aceitem um debate técnico, polido, de alto nível, sobre o assunto. Essa tentativa de “jogar à plateia” não é digna de profissionais que exercem papel fundamental em um Estado Democrático de Direito!
Caros membros do MP, aceitem que a atribuição de investigar é da Polícia Judiciária Civil. E que o MP, em determinados casos, pode e deve trabalhar junto com a Polícia para desbaratar mais esquemas e crimes. Mas, essa recusa em aceitar que a Polícia Civil participe das investigações, só faz aumentar a desconfiança e o descrédito em relação à instituição. Por que, afinal, querem agir sozinho?
Se já tem o papel definido de propor ações penais e agora querem conduzir sozinhos investigações policiais, quem garante que amanhã também não vão querer julgar os casos em que eles próprios investigaram e denunciaram?