ALEXANDRE MAZZA
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nessa última quarta-feira, 6/11, que é constitucional a regra da Reforma Administrativa que, em 1998, extinguiu o regime jurídico único dos servidores públicos. Mas o que isso significa? E quais as consequências dessa recente decisão? Vamos entender.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu duas regras diferentes para a contratação de agentes públicos concursados. De um lado, os chamados servidores públicos estatutários, portadores de uma condição legal mais favorecida, com aposentadoria integral (hoje flexibilizada), estabilidade no cargo e diversos benefícios remuneratórios. Trata-se de um regime mais desejado e vantajoso para o servidor público. De outro, os denominados empregados públicos “celetistas”, que recebem esse nome porque, embora tenham que prestar concurso e trabalhem dentro da máquina pública, têm um vínculo bastante semelhante aos dos trabalhadores da iniciativa privada, sendo regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), daí o apelido de “celetistas”. O regime dos celetistas têm bem menos benefícios do que o dos estatutários, não gozando, por exemplo, de estabilidade no cargo e tendo direito a menos vantagens remuneratórias.
Pois bem, quando foi aprovada a Constituição de 1.988 os servidores estatutários obrigatoriamente deveriam atuar nas funções essenciais do Estado – como nos postos do Judiciário, Legislativo e Autarquias - porque seu regime mais vantajoso seria uma forma de protegê-los contra pressões político-partidárias no exercício do poder, que pudessem colocar os interesses pessoais de políticos acima dos interesses da população. Todos os benefícios concedidos a servidores públicos estatutários têm, ao menos na teoria, o objetivo de blindá-los contra interesses não-republicanos eventualmente defendidos por políticos.
Já os empregados públicos celetistas atuariam mais longe do poder político, em funções estatais sujeitas a menos influência de interesses privados escusos. Os celetistas sempre atuaram mais nas empresas públicas e sociedades de economia mista, como o Banco do Brasil, os Correios e a Caixa Econômica Federal. Era sob essa lógica que a Constituição Federal aprovada em 1988 organizava a estrutura das funções públicas. Porém, no ano de 1998 foi aprovada a Emenda Constitucional n. 19, que promoveu uma Reforma Administrativa. Entre outros pontos, a Reforma eliminou o chamado “regime jurídico único”, ou seja, deixou de ser obrigatório que as funções próximas ao poder político fossem exercidas por servidores estatutários.
Na prática, a Emenda 19/98 deu um “cheque em branco” para o Poder Legislativo decidir livremente se determinado cargo público seria ocupado por um estatutário ou por um celetista, independentemente de onde o agente público fosse atuar. Com isso, os empregados públicos celetistas, portadores de um regime jurídico muito mais barato para os cofres públicos, começaram a ser posicionados em qualquer função pública, não importando se mais ou menos próxima dos interesses político-partidários.
O principal efeito positivo do fim do regime único, como já disse, foi uma redução sensível nos gastos com agentes públicos. Mas há também consequências negativas. A principal delas foi fragilizar a segurança que um servidor público deve ter para atuar sempre na defesa dos interesses da sociedade, sem ceder a interesses de grupos políticos e econômicos infiltrados na máquina pública.
Como exemplo, podemos pensar nos servidores de uma agência reguladora como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Só para que se tenha uma ideia, a Anvisa fiscaliza, entre outras, a atuação da indústria de medicamentos, sabidamente um dos setores econômicos mais poderosos em nosso país, conhecida pelos poderosos “lobbies” que promovem para influenciar agentes públicos a tomarem decisões que não prejudiquem os grandes laboratórios. É evidente que os servidores da Anvisa precisam de uma segurança e proteção no cargo para não cederem a interesses corporativos distantes do que é o melhor para a sociedade. Sem dúvida, o regime estatutário tinha mais condições de garantir essa segurança na tomada de decisões. Porém, desde a Emenda 19 os postos de trabalho nas agências reguladora passaram, por razões de economia de gastos, a ser ocupados por empregados celetistas, categoria esta menos protegida contra influências político-econômicas indesejáveis.
E foi exatamente sobre essa questão que o Supremo Tribunal Federal se manifestou nessa última quarta-feira: poderia a Reforma Administrativa de 1.998 ter deixado livre a escolha de contratação de servidores estatutários ou empregados celetistas para o desempenho de tarefas estatais tão delicadas?
A resposta do STF foi sim. O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional, ou seja, considerou válida essa liberdade para o Poder Legislativo escolher, em qualquer função estatal, se o regime de contratação será estatutário ou o celetista.
Em termos práticos, portanto, a situação permanece como sempre esteve desde 1998. Servidores estatutários e empregados celetistas podem atuar em qualquer função estatal, seja próxima ou distante da influência de grupos políticos e econômicos infiltrados na máquina pública.
Resta saber se essa economia de recursos públicos valeu mesmo a pena
Por Alexandre Mazza, advogado especialista em Direito Tributário e Administrativo