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Cuiabá, 27 de Novembro de 2024
27 de Novembro de 2024

18 de Julho de 2020, 11h:40 - A | A

GERAL / PRÁTICA POLÊMICA

Adolescentes atiradores; especialistas explicam normas e riscos

O RepórterMT procurou o que a lei diz sobre o esporte, conversou com o presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) e ainda com uma psicóloga credenciada pela Polícia Federal, para emitir laudos de aptidão no manuseio de arma de fogo.

MÁRIO ANDREAZZA
DA REDAÇÃO



Em meio às controvérsias, especulações, polêmicas e apelo social causado pela morte de Isabele Guimarães Ramos, 14 anos, vítima de um tiro que atravessou sua cabeça, disparado por sua melhor amiga, uma adolescente também de 14 anos, e já praticante de tiro esportivo, junto de toda sua família, pai, mãe, duas irmãs e um irmão, tendo convívio e contato com armas de fogo regularmente dentro de casa, o conversou com especialistas no assunto para tentar entender como funciona esse esporte no país, o que diz a legislação e ainda a opinião de um psicólogo, sobre o fato de adolescentes ‘convivendo’ com armas de fogo e aprendendo atirar.

O caso de homicídio culposo citado acima aconteceu durante a noite do último domingo (12), no condomínio de luxo Alphaville 1, bairro Jardim Itália, em Cuiabá.

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Um dos pontos mais discutidos dentro desse caso foi o fato da adolescente atiradora esportiva, com tão pouca idade, e já ter tanta destreza para atirar, conforme um vídeo que circulou pelas redes sociais, que mostra a prática dentro do clube, em que a gartora aparece atirando de forma ‘experiente’, inclusive, trocando o pente de munição, com agilidade que chamou atenção de muitos que assistiram à exibição. 

Uma fonte do , ligada à família da menor, relatou que ela já pratica tiro há cerca de três anos, ou seja, iniciou com apenas 11 anos de idade, porém, o advogado da família assegurou que a garota tem apenas quatro meses de prática. De tal modo o que diz a legislação brasileira sobre esta prática?

morte isabele

A garota que teria atirado acidentalmente na melhor amiga, pratica tiro com os pais e irmãos

“A prática de tiro desportivo, nas modalidades aceitas pelas entidades nacionais de administração do tiro, por pessoas com idade entre quatorze e dezoito anos: I - será previamente autorizada conjuntamente por seus responsáveis legais, ou por apenas um deles, na falta do outro; II - se restringirá tão somente aos locais autorizados pelo Comando do Exército; e III - poderá ser feita com a utilização de arma de fogo da agremiação ou do responsável legal, quando o menor estiver por este acompanhado”, diz trecho do decreto assinado pelo Presidente Jair Bolsonaro no dia 22 de maio de 2019.

O texto desse decreto foi uma alteração de sua primeira versão, publicado no dia 8 de maio de 2019, quando o decreto não limitava a idade para que uma pessoa começasse a praticar tiro e era necessário que apenas um dos pais, ou responsável, autorizasse.

Até esta data, para que um adolescente pudesse praticar o esporte era necessária uma autorização judicial e em locais restritos permitidos pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável que estivesse acompanhando o momento da prática.

O conversou com o presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) Fernando Raphael , que explicou melhor o que é necessário para começar na prática de tiro desportivo e como são os treinamentos.

Inicialmente, Raphael explicou que “Atirador Desportivo é a pessoa física registrada no Comando do Exército e que pratica habitualmente o tiro como esporte, conforme o inciso I do art. 52 do Decreto nº 10.030/2019”. E antes de pegar na arma é necessária a apresentação de uma lista de documentos para conseguir a concessão de registro no Comando do Exército seja para colecionador, atirador desportivo ou caçador, entre eles certidão de antecedentes criminais, comprovante de capacidade técnica para o manuseio da arma de fogo, laudo de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal, entre vários outros. E só então, após a concessão, o indivíduo pega efetivamente na arma.

O presidente da FTMT relatou que “armas destinadas ao tiro esportivo/prático poderão ser usadas somente com o Certificado Registro (CR) emitido pelo Exército, com exceção de menores de idade, que podem usar as armas disponibilizadas pela agremiação ou do responsável que estiver acompanhando o treinamento”.

Sobre as armas disponíveis no clube, assim como munições recarregadas, para serem emprestadas aos associados, Raphael ressaltou que “são para uso exclusivo durante a prática nas dependências da agremiação em provas, cursos e treinamento, sendo autorizadas para uso todas de calibre permitido que o clube tiver em seu acervo. A mesma regra vale para as armas de propriedade dos associados”.

 

reprodução

isabele

Disparo que matou Isabele ocorreu na casa da melhor amiga, no condomínio de luxo Alphaville

Questionado sobre os treinamentos, Raphael disse que depende do que o associado procura, se é para defesa, esporte, ou algo mais específico, para que seja feito o direcionamento mais adequado, o que é acompanhado por instrutores que ficam junto com o associado nos stands de tiro.

Procuramos a psicóloga Thaísa Mayara Gomes, credenciada na Polícia Federal como profissional habilitada à atender pacientes que buscam laudo de aptidão psicológica para a prática de tiro, e perguntamos sobre como a Psicologia vê esta prática para adolescentes.

A profissional explicou, usando uma tese do psicólogo e pesquisador americano Walter Mishel, conhecido por ter criado o teste do Marshmallow, que o ser humano tem duas partes do cérebro muito importantes que interagem entre si para que o indivíduo consiga manter o ‘auto-controle’, fator determinante para que tenha a ’autorização’ psicológica para ser um atirador desportivo.

Segundo Thaísa, conforme a tese do psicólogo americano, “o autocontrole baseia-se na interação constante entre as partes do cérebro: sistema límbico e o córtex pré-frontal”.

O primeiro, “trata das nossas estruturas mais primitivas, sendo responsável por regular impulsos básicos e emoções essenciais para sobrevivência humana como medo, raiva, fome e desejo sexual. Se, por um lado,  ele é extremamente importante para termos senso de defesa, como fugir de estranhos ameaçadores em ruas escuras, também pode dificultar nossa vida quando, por exemplo, precisamos controlar determinados ’impulsos ruins’ ou vícios, como o desejo de parar de fumar, beber álcool ou fazer uma dieta”, explicou a psicóloga.

Já o córtex pré-frontal, área mais desenvolvida do cérebro humano, responsável por controlar nossos pensamentos, ações e emoções faz o contrabalanço com o sistema límbico e permite que o ser-humano mantenha o controle emocional e psicológico.

No entanto, a especialista detalhou que estudos mostram que o córtex pré-frontal começa a se desenvolver a partir dos 5 anos e a maturidade plena ocorre apenas depois dos 20, deixando crianças e adolescentes muito vulneráveis aos vícios que o sistema límbico pode proporcionar.

Com isso a psicóloga alerta para o fato de que para manusear arma de fogo o indivíduo passa por uma avaliação psicológica que tem como objetivo identificar traços de personalidade que podem acusar a presença de excesso de agressividade, incapacidade de controle de impulsos e exibicionismo, além de funções cognitivas como atenção, concentração e memória.

“É importante frisar que alguém que irá manusear uma arma de fogo deverá demonstrar ter maturidade emocional; habilidade de empatia; bom raciocínio lógico e habilidade de senso crítico na tomada de decisões; capacidade preservada de tolerância à frustração; equilíbrio e estabilidade emocional; forte tolerância ao estresse; boa capacidade de seguir regras sociais; honestidade, responsabilidade; bom controle dos impulsos; entre outros”, explicou Thaísa sobre o que é periciado na pessoa que busca o laudo de aptidão para se tornar um atirador.

Dito tudo isso, a Psicóloga conclui que o adolescente por ainda estar em processo de formação e em constante transformação, nesse momento de descobertas,  pode não ter conquistado ainda a maturidade e autocontrole necessários para manusear armas com segurança.

“A adolescência é uma fase na vida da pessoa que envolve uma série de transformações físicas, emocionais, cognitivas e sociais e uma criança/adolescente por estar em um processo de transição e desenvolvimento não tem essas “bases” estabelecidas e seguras”, termina a especialista.

Gcom

jos� antonio borges

Procurador-geral de MT protocolou ação na PGR pedindo o a nulidade da medida que permite adolescentes serem atiradores desportivos

Intervenção do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT)

O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, protocolou na manhã de sexta-feira (17) uma representação junto à Procuradoria-Geral da República recomendando que seja feita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o artigo 7º do Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019, que libera e disciplina a autorização para que menores de 14 a 18 anos de idade possam praticar tiro esportivo.

O pedido do MPE, direcionado ao procurador-geral da República Augusto Aras, foi motivado pelo homicídio culposo da jovem Isabele, 14 anos, cometido pela melhor amiga B.O.C., de mesma idade, porém praticante de tiro desportivo, supostamente há 3 anos, o que é proibido por lei. No entanto o advogado da família relata que a jovem é atiradora há apenas quatro meses, tempo em que já tinha completado os 14 anos de idade, se enquadrando ao decreto de Bolsonaro.

O Ministério Público destaca na recomendação que “...informações preliminares carreadas pela imprensa e redes sociais revelam que a menor, responsável pelo disparo, ostenta em redes sociais sua imagem praticando tiros ao alvo”. E acrescenta: “A falta de critério, e facilitação do acesso de menores a armas propiciam situações como esta, evitáveis com a simples concretização de princípios dispostos em nossa Constituição Federal, como ocorre com o referido princípio da proteção integral”.

Por fim, a representação destaca que o ato presidencial “provoca constrangimento ao Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, construído no âmbito do direito estrangeiro e incorporado pelo nosso ordenamento jurídico no art. 227, da CF (Constituição Federal), que reza o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão”

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Zelcy Luiz Dall Acqua Jr 19/07/2020

Excelente matéria! Me impressionou pelo conteúdo técnico e por não ser sensacionalista. E assim como a Sra Maria Aparecida, gostei muito da abordagem feita pela psicóloga Thaísa Mayara Gomes.

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Zelcy Luiz Dall Acqua Jr 19/07/2020

Excelente matéria! Me impressionou pelo conteúdo técnico e por não ser sensacionalista. E assim como a Sra Maria Aparecida, gostei muito da abordagem feita pela psicóloga Thaísa Mayara Gomes.

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Maria Aparecida 18/07/2020

Reportagem muito boa, principalmente a explicação da psicóloga!!! Parabéns

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