Márcio Luiz
Do G1 RS, em São Borja
Passados quase 37 anos, peritos afirmam que será possível determinar as causas da morte do ex-presidente João Goulart, o Jango. A exumação dos restos mortais do político deposto no golpe militar de 1964 e morto durante o exílio em 1976 começou pouco antes das 8h desta quarta-feira (13) em São Borja, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. O procedimento não tem hora para acabar, mas deve durar pelo três horas.
'É momento histórico para as vítimas da ditadura', diz neto de Jango
Para garantir a segurança, uma operação foi montada na região do cemitério, com policiais militares e agentes da Defesa Civil para qualquer apoio necessário. A rua foi bloqueada e o acesso é restrito.
Os peritos, quatro brasileiros da Polícia Federal (PF), além de especialistas do Uruguai, da Argentina e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), chegaram por volta das 6h45 para o processo de exumação. O neto João Marcelo também chegou antes das 7h.
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Com roupas especiais para o procedimento, os peritos farão o trabalho na área isolada por uma estrutura metálica e por lonas. O ex-presidente foi sepultado no jazigo da família Goulart, onde já foram enterradas nove pessoas, entre elas o ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, cunhado de Jango.
Por volta das 8h30, chegaram a ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, e o ministro da Justiça, José Cardozo. O governador Tarso Genro também é esperado para a manhã desta quarta em São Borja.
O objetivo do procedimento é esclarecer se Jango morreu de ataque cardíaco, como consta na documentação oficial, ou se foi assassinado por envenenamento. Nos últimos anos, surgiram evidências de que o ex-presidente pode ter sido mais uma vítima da Operação Condor, a aliança entre as ditaduras do Cone Sul para eliminar opositores além das fronteiras nacionais.
Perito acredita que trabalho trará respostas sobre morte
A retirada dos restos mortais do túmulo não tem hora para acabar. O perito da Polícia Federal que coordena a exumação, Amaury de Souza Júnior, diz que o tempo de trabalho vai depender das condições em que se encontram o caixão e os restos mortais de Jango, mas acredita que a análise pode apresentar resultados, mesmo após tantos anos.
"Se não tivéssemos condições de ter alguma resposta, de imediato teríamos abortado a missão. É possível, sim. Basta verificar os casos do Pablo Neruda (poeta chileno) e do Yasser Arafat (líder palestino). Vamos trabalhar para obter informações e ver o que significam essas informações. Elas podem ou não ser conclusivas. Em termos tecnológicos, não há problema", afirmou em entrevista coletiva na terça-feira.
Do cemitério, os restos mortais de Jango serão levados pelo Corpo de Bombeiros até o aeroporto de São Borja. Um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) fará o transporte até a Base Aérea de Santa Maria, na Região Central do estado, de onde será feito o traslado até Brasília.
O corpo de Jango deve chegar por volta das 10h de quinta-feira (14) à capital federal, onde será recebido com honras de chefe de Estado. Segundo a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, a presidente Dilma Rousseff vai participar da solenidade. Ex-presidentes como Lula, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney também foram convidados.
Morte de ex-presidente ocorreu no exílio na Argentina
Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 em sua fazenda em Mercedes, na Argentina. Cardiopata, ele teria sofrido um infarto, mas uma autópsia nunca foi realizada. Na última década, novas evidências reforçaram a hipótese de que o ex-presidente teria sido envenenado por agentes ligados à repressão uruguaia e argentina, a mando do governo brasileiro.
A principal delas foi o depoimento dado pelo ex-espião uruguaio Mario Neira Barreiro ao filho de Jango João Vicente Goulart, em 2006. Preso por crimes comuns, ele cumpria pena em uma penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, quando disse que espionava Jango e que teria participado de um complô para trocar os remédios do ex-presidente por uma substância mortal.
Em 2007, a família de Jango solicitou ao Ministério Público Federal (MPF) a reabertura das investigações. O pedido de exumação foi aceito em maio deste ano pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Tanto o governo federal quanto membros da família Goulart acreditam que há indícios de que o ex-presidente possa ter sido assassinado.
"Há diversos documentos e depoimentos que apontam essa suspeita. Exatamente por isso está se fazendo a exumação, para poder buscar mais indícios. A exumação é só uma parte do processo. Existem outros fatores, como ouvir ex-agentes e desclassificar documentos, para chegarmos ao mais próximo da verdade", diz João Marcelo Goulart, neto de Jango e filho de João Vicente.
A hipótese de que Jango foi envenenado, no entanto, não é unanimidade. Mesmo em São Borja, onde o ex-presidente é idolatrado, há quem não acredite em conspiração. É o caso do ex-vereador e advogado Iberê Teixeira, presidente da comissão municipal formada para acompanhar a exumação.
Iberê conta que esteve na fazenda de Jango em Mercedes seis meses antes da morte do político e que ele parecia deprimido. Além disso, era notório o gosto do ex-presidente por carne gorda, cigarros e uísque, apesar de ser cardiopata. Para o advogado, Jango morreu de desgosto no exílio.
"Não é lógico. O Barreiro diz que tem guardada todas as conversas telefônicas do Jango quando o espionava, mas várias pessoas já pediram e ele nunca apresentou as fitas", observa Iberê, admirador confesso de Getúlio Vargas, Brizola e Jango, sobre quem está prestes a publicar um livro.
O passo a passo da exumação de Jango
- A exumação
Os restos mortais do ex-presidente João Goulart serão recolhidos do jazigo da família no cemitério Jardim da Paz, em São Borja, nesta quarta-feira (13). Os trabalhos se iniciam às 7h, sem previsão de término. O objetivo é esclarecer as causas da morte do ex-presidente, morto no exílio, na Argentina, em 6 de dezembro de 1976.
- Os peritos
Participam do processo de exumação quatro peritos brasileiros da Polícia Federal (PF), além de especialistas do Uruguai, da Argentina e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). A convite da família de Jango também vai colaborar um perito cubano, que participou da exumação do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara.
- Traslado para Brasília
De São Borja, os restos mortais de Jango serão transportados em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) até a Base Aérea de Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul. De lá, será feito o traslado para Brasília. Os restos mortais de Jango devem chegar por volta das 10h de quinta-feira (14) à capital federal, onde serão recebidos com honras de chefe de Estado.
- Exames antropológico e de DNA
Após o desembarque, os restos mortais serão transportados para o Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal, onde serão feitos os exames periciais. Os restos mortais de Jango passarão por exames antropológicos, como medição de ossada, tomografia e radiografia, e de DNA, para confirmação de identidade.
- Exames toxicológicos
Confirmada a identificação do corpo, amostras de cabelos, ossos e tecidos serão coletados para o exame toxicológico, cujo objetivo é verificar a hipótese de morte por envenenamento. Serão procurados traços de remédios que eram usados por Jango, além de substâncias que podem levar à morte. As amostras serão enviadas para laboratórios no exterior, que já foram definidos, mas que não serão divulgados para não comprometer os resultados e a transparência do processo.
- Retorno para São Borja
O retorno dos restos mortais de Jango para São Borja está marcado para o dia 6 de dezembro, data do aniversário de 37 anos da morte do ex-presidente. O resultado dos exames, no entanto, não tem data para ser divulgado. Além disso, eles podem ser inconclusivos, isto é, não esclarecer a causa da morte do ex-presidente.