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Cuiabá, 24 de Outubro de 2024
24 de Outubro de 2024

24 de Outubro de 2024, 14h:21 - A | A

OPINIÃO / MARIANA GUTIERRES

Feminicídio: Como a nova lei pode mudar o jogo na Justiça

MARIANA GUTIERRES



Feminicídio: quem nunca ouviu falar sobre esse crime? Ele é a manifestação fatal da violência contra a mulher. Instituído em 2015 pela Lei n. 13.104/15, o feminicídio era uma qualificadora do homicídio (art. 121 do Código Penal), o que permitia o aumento da pena quando cometido no contexto de violência de gênero, com reclusão de 12 a 30 anos.

Recentemente, em 9 de outubro de 2024, a Lei n. 14.994 transformou o feminicídio em um crime autônomo, descrito no artigo 121-A do Código Penal como “Matar mulher por razões da condição do sexo feminino”, com pena de reclusão de 20 a 40 anos. Mas por que essa alteração foi feita, se o feminicídio já era um crime?

Primeiro, é importante destacar os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, que mostram que em 2023 houve 1.467 feminicídios no Brasil, uma média de 4 vítimas por dia, o maior número já registrado desde a criação da lei. A autonomia do feminicídio, ao desvinculá-lo do homicídio, e a imposição de uma pena mais severa representam um avanço significativo no combate à desigualdade de gênero.

Essa mudança é fundamental porque o feminicídio possui características próprias, sendo uma violência específica de gênero. Com a nova legislação, o crime deixa de ser uma qualificadora e passa a aplicar circunstâncias qualificadoras do homicídio, aumentando ainda mais a pena que pode chegar a 60 anos em casos extremos, conforme o artigo 121-A, § 2º do Código Penal.

Mesmo com avanços, os mecanismos legais de proteção, como as medidas protetivas de urgência criadas pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), ainda são subutilizados. Em 2023, apenas 12,7% das vítimas de feminicídio tinham uma medida protetiva ativa no momento de sua morte, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. Isso reforça a necessidade de combinar leis rigorosas com outras estratégias, como a educação e o fortalecimento de políticas públicas.

A Lei n. 14.994/24 também trouxe mudanças em outros crimes relacionados à violência de gênero. Ameaças, injúrias, calúnias e difamações cometidas por razões da condição de sexo feminino agora têm penalidades dobradas. Lesões corporais cometidas contra parentes próximos ou parceiros têm pena de 2 a 5 anos de reclusão, e a pena para a contravenção de vias de fato pode ser triplicada quando cometida contra a mulher. Descumprir medida protetiva também resultará em 2 a 5 anos de reclusão e multa.

Apesar da boa iniciativa, a nova lei carece de definições mais claras. O termo “menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (art. 121-A, § 1º, II, do Código Penal) é vago e pode causar dificuldades na aplicação da lei, já que o Direito Penal exige precisão na definição dos crimes. Além disso, o uso do termo "condição do sexo feminino" desconsidera o conceito de gênero como construção social, o que poderia ampliar a proteção legal para pessoas que sofrem violência de gênero, mas não se enquadram no conceito biológico de sexo feminino.

Apesar das críticas, a nova legislação contribui para a luta contra a violência de gênero, iluminando o caminho para o aprimoramento das políticas públicas e das decisões judiciais, com impacto não só sobre as vítimas, mas também sobre suas famílias e a sociedade como um todo.

 

Mariana Gutierres é docente em Direito Constitucional e Processo Civil na UniCesumar de Campo Grande (MS). É Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com ênfase na igualdade de gênero e direito das mulheres.

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