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Cuiabá, 28 de Fevereiro de 2025
28 de Fevereiro de 2025

28 de Fevereiro de 2025, 14h:24 - A | A

OPINIÃO / ANGELIZA NEIVERTH

O direito de gravar audiências e os limites entre prerrogativa e ética

ANGELIZA NEIVERTH



A gravação de audiências por advogados é um direito claro e incontestável, garantido pelo artigo 367, §§5º e 6º do CPC, e reforçado por jurisprudências do STJ e STF. Trata-se de um mecanismo essencial para a ampla defesa e para a segurança jurídica do profissional. No entanto, é necessário traçar um limite claro entre prerrogativa profissional e a exposição indevida de atos processuais nas redes sociais.

O caso recente do advogado criminalista José Lucas Mussi, impedido de gravar uma sessão do Tribunal do Júri por determinação de uma juíza em Santa Catarina, reacendeu um debate crucial: o direito do advogado de gravar audiências e os limites para o uso dessas imagens. A prerrogativa de gravação existe e deve ser respeitada, mas não pode ser distorcida a ponto de transformar o processo em um espetáculo midiático.

Neste caso, o advogado não parece se valer do instrumento da gravação para uma exposição e, mesmo assim, acabou sendo vítima de uma situação de cerceamento de sua liberdade de pleno exercício da profissão, após demonstrar aparente desconhecimento de suas prerrogativas, o que motiva o seguinte debate.

A defesa intransigente das prerrogativas e o limite ético

As prerrogativas da advocacia são fundamentais e devem ser defendidas com intransigência, pois garantem o exercício pleno da profissão e a defesa dos direitos dos cidadãos. No entanto, é essencial compreender que essas prerrogativas existem para fortalecer a advocacia como um todo e não para atender a interesses pessoais de cada profissional. O advogado deve sempre atuar dentro dos limites da ética e da responsabilidade profissional, garantindo que seus direitos não se sobreponham ao dever de conduzir o processo com respeito e integridade.
Por isso, é imprescindível distinguir o que de fato constitui uma prerrogativa da advocacia e o que extrapola esse direito. O exercício das prerrogativas deve ser pautado pelo compromisso com a legalidade, sem que se confunda com um salvo-conduto para condutas que possam comprometer o devido processo legal ou a dignidade da Justiça.

A LGPD e o dever de sigilo

Muitos advogados esquecem que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também se aplica às gravações realizadas em audiências. A captura e a divulgação de imagens e áudios sem consentimento podem configurar tratamento indevido de dados pessoais, sujeitando os responsáveis a penalidades.

A LGPD estabelece princípios como finalidade, necessidade e adequação, que devem ser respeitados em qualquer tratamento de dados. Quando um advogado grava uma audiência, ele deve garantir que essa gravação seja utilizada exclusivamente para fins processuais. O desvio dessa finalidade, com a publicação de trechos em redes sociais, pode comprometer a integridade do processo e expor as partes de maneira irresponsável.

A exposição de audiências nas redes: Uma ameaça ao processo justo

Há uma diferença fundamental entre utilizar uma gravação para se resguardar de arbitrariedades ou usar para expor um julgamento ao tribunal da opinião pública. A veiculação de trechos de audiências nas redes sociais pode deturpar o curso do processo, influenciar testemunhas e prejudicar a imparcialidade da decisão judicial.
Casos de grande repercussão, como o julgamento da Boate Kiss, evidenciam que a exposição midiática pode ter impacto direto na condução dos trabalhos no tribunal. A ampla defesa e a transparência são fundamentais, mas não podem ser usadas como justificativa para transformar um processo judicial em um show digital.

A importância da responsabilidade profissional

O advogado tem o dever de preservar a credibilidade da Justiça e garantir que seus atos sejam pautados pela ética e responsabilidade. O uso de gravações deve estar restrito ao ambiente processual, seja ele judicial, extrajudicial ou disciplinar. Divulgar trechos de audiências fora desse contexto compromete não apenas a privacidade das partes envolvidas, mas também a credibilidade da própria advocacia.

O caso do advogado Cristiano Zanin, impedido de gravar uma audiência pelo então juiz Sergio Moro, também demonstra a relevância da prerrogativa de gravação. Mas até mesmo nesses casos, a discussão se limitou ao direito de gravar para fins processuais, não para divulgação indiscriminada.

A prerrogativa do advogado de gravar audiências é um direito inegável e deve ser respeitada. No entanto, esse direito não é absoluto e precisa ser exercido com responsabilidade. A divulgação de gravações fora do contexto processual não apenas compromete a ética profissional, mas também fere direitos fundamentais garantidos pela LGPD.

Defender as prerrogativas da advocacia é um dever de toda a classe, mas isso não pode se sobrepor ao compromisso com a ética e com a atuação profissional responsável. As prerrogativas não são instrumentos de promoção pessoal, mas sim garantias para o pleno exercício da advocacia. Por isso, é essencial compreender exatamente o que configura uma prerrogativa e o que extrapola esse limite. A Justiça não pode ser refém da espetacularização, e a advocacia precisa manter seu compromisso com a responsabilidade e o sigilo profissional. O tribunal é o local adequado para se travar as batalhas jurídicas, não as redes sociais.

Angeliza Neiverth Segura, advogada especialista em direito do trabalho, especialista em LGPD e vice-presidente do Tribunal de Prerrogativas da OAB Mato Grosso

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