YANN DIEGGO
O uso de câmeras corporais por policiais militares, como analisado no estudo da experiência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, representa um avanço significativo no campo da segurança pública. Contudo, sua implementação suscita questões relevantes relacionadas à privacidade, à transparência e à proteção de dados. Este artigo visa explorar esses dilemas sob o prisma jurídico, enfatizando os desafios de equilibrar a eficácia das políticas públicas com o respeito às garantias constitucionais.
A adoção das chamadas Câmeras Operacionais Portáteis (COP) é frequentemente celebrada como uma medida que aumenta a transparência das ações policiais e reduz os abusos de autoridade. De fato, dados apontam para uma diminuição significativa de denúncias de má conduta policial em áreas onde a tecnologia foi implementada. Contudo, a ausência de regulamentação federal específica sobre o uso, a conservação e o acesso aos dados captados por essas câmeras ainda é um grande obstáculo para sua aceitação plena e segura.
Um dos principais problemas identificados é a falta de clareza sobre o acesso às imagens captadas. Atualmente, a Polícia Militar paulista trata os dados como sigilosos, restringindo seu acesso ao âmbito judicial. Essa prática cria uma barreira desnecessária para cidadãos que buscam provas para sua defesa ou para responsabilizar agentes públicos. A Constituição Federal e a Lei de Acesso à Informação garantem o direito ao acesso a informações de interesse público, e a restrição imposta pela polícia parece contrariar esses princípios.
Além disso, a privacidade dos próprios agentes policiais é uma questão delicada. As câmeras gravam continuamente durante o turno de serviço, capturando não apenas ações oficiais, mas também momentos de intimidade involuntária, como interações pessoais e acessos a dispositivos particulares. Embora os agentes de segurança devam se submeter a certas restrições em prol do interesse público, é fundamental que seus direitos fundamentais não sejam ignorados, sob pena de criar um ambiente de trabalho insalubre e invasivo.
O armazenamento e o manejo das imagens também levantam preocupações quanto à proteção de dados pessoais, especialmente à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Apesar de a LGPD prever exceções para a segurança pública, é imprescindível que essas exceções sejam aplicadas com rigorosos mecanismos de controle e auditoria para evitar abusos e vazamentos de informações sensíveis.
Dessa forma, é evidente a necessidade de uma regulamentação específica que contemple os direitos fundamentais tanto dos cidadãos quanto dos agentes policiais. Essa legislação deve abordar critérios claros para a captação, o armazenamento e o uso das imagens, garantindo que sua finalidade seja exclusivamente voltada para o fortalecimento da justiça e da cidadania, sem que se torne um instrumento de vigilância abusiva.
Em conclusão, a tecnologia das câmeras corporais é uma ferramenta promissora para o avanço da segurança pública e para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. No entanto, sua eficácia depende de uma implementação criteriosa, que respeite os limites constitucionais e assegure que os direitos fundamentais sejam protegidos de forma equilibrada. O debate sobre o tema precisa ser ampliado, envolvendo não apenas as forças de segurança, mas também a sociedade civil e os poderes Legislativo e Judiciário, na busca por soluções que consolidem a segurança como um direito de todos.
Yann Dieggo – advogado, procurador municipal e professor universitário.