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Cuiabá, 03 de Outubro de 2024
03 de Outubro de 2024

03 de Outubro de 2024, 15h:22 - A | A

OPINIÃO / ANA LISBOA

Vivendo o milagre

ANA LISBOA



Quando falamos em milagre, é bem possível que nos venha a mente a narrativa do Evangelho de João 2,1-11, quando o evangelista relata o episódio em que Jesus Cristo transforma água em vinho na celebração de Bodas em Caná da Galiléia, salvando os noivos da vergonha de ter acabado a bebida antes do fim da festa, ou podemos ainda imaginar o caso de uma cura instantânea e completa de uma doença comprovadamente grave sem explicação cientifica, mas certamente nossa imaginação nos levará a algo impressionante e inimaginável, exatamente como diz o dicionário quando define milagre, “um acontecimento extraordinário ou incomum que não pode ser explicado pelas leis naturais".

O que vou trazer aqui nessa nossa conversa não é nenhuma novidade, certamente vocês já ouviram muitos relatos semelhantes, porque não é incomum que um parente, um amigo, um filho ou mesmo você já tenham sobrevivido ao câncer, no entanto embora pareçam iguais, cada pessoa vai passar pelo processo de uma maneira absurdamente diferente, porque nosso desenvolvimento como seres humanos é um processo de construção continua e envolve desde os componentes orgânicos e biológicos até as vivencias sociais, emocionais, religiosas, econômicas e tantas outras que formam o humano que somos, com individualidade, personalidade e identidade únicas.

Era um dia de sol, estava numa viagem de férias com meu marido e tinha sido um dia repleto de diversão, no banho pra retirar a areia do corpo após um dia de praia, minha mão tocou um “carocinho” sob a pele do meu seio direito, meu cérebro deu uma volta completa na terra e se instalou uma mudança imediata de estação, como se uma nuvem negra tivesse avançado sobre o sol daquele dia trazendo a certeza de uma tempestade eminente, a repentina percepção de que algo muito ruim estava prestes a acontecer.

Dias estranhos se seguiram, com uma leve alternância entre a felicidade de viver aqueles momentos de férias tão esperadas e a gastura no peito imaginando o que o retorno a realidade me reservaria.

Na volta das férias, a rotina me consumiu rapidamente, o trabalho e as preocupações do dia a dia permitiram que um minúsculo mas insistente sentimento de negação tomasse conta de mim e me tirasse a razão: afinal não deveria ser nada grave, já que há alguns anos atrás eu havia passado por uma situação semelhante com o aparecimento de um nódulo no seio esquerdo, que foi biopsiado como benigno! E porque dessa vez seria diferente?

As coisas não se seguiram como eu esperava, e comecei a sentir incômodos, primeiramente no ombro e logo coloquei a culpa na academia, depois veio uma sensação de peso no seio principalmente ao fim do dia, e tentei mudar a postura, o sutiã e nada, fugir definitivamente não era uma opção, eu teria que procurar um médico.

A agenda com o mastologista veio quase dois meses depois daquele toque, e os exames confirmaram: eu tinha um câncer de mama em estágio inicial no seio direito, no quadrante superior externo, mais precisamente localizado as 10:00 horas - sendo mais técnica.

Vieram as consultas, os exames, os oncologistas e uma enxurrada de novidades que me abarrotaram de informações totalmente desconhecidas, e assim, iniciei minha jornada, repleta de aprendizados.

O Câncer é uma doença esquisita, popularmente conhecida como uma “doença maldita”, repleta de tabus já que não se pode nem ao menos falar o nome dela, apelidaram-na de C.A, culturalmente estigmatizada está intimamente relacionada a sentimentos negativos e à expectativa de “morte certa”.

Diagnosticada, se tornou impossível fugir do descrédito da cura quase que improvável, a notícia correu entre os parentes e amigos, os sinais do tratamento se tornaram visíveis em meu corpo, e então eu deixei de ser a Ana e me tornei o próprio “Câncer”, não tinha como fugir dos olhares de piedade, das perguntas indiscretas e da quase certeza da morte - se não fossem as estatísticas médicas que me diziam que eu tinha 97% (noventa e sete por cento) de chances de cura, certamente eu teria sucumbido.

Mesmo tendo consciência de toda evolução tecnológica com exames extremamente precisos, que possibilitam um diagnóstico precoce e seguro da doença, da diversidade de medicamentos que surgem a cada dia a partir de estudos científicos altamente inovadores, das informações disponíveis e de fácil acesso a toda população, a falta de compreensão social da doença se torna maior que o próprio câncer, e faz com que pessoas doentes prefiram se afastar das interações sociais, do trabalho e do relacionamento com outras pessoas, desistindo dos seus sonhos e até do tratamento já que a crença social na impossibilidade da cura corroem completamente a nossa esperança.

Mas para além das crenças sociais, o “maldito e incurável” veio para minha vida não só para me matar, mas veio para testar minha fé, para me fazer mais forte, para saber se sou corajosa, veio porque eu sou uma pessoa que guardo rancor no coração, ou porque Deus está me punindo por algum pecado grave que cometi, ou ainda pra me fazer um “ser humano melhor”.

Parece inimaginável que alguém diga isso para uma pessoa doente? Parece, mas não é, ouvimos isso todo dia, nos culpam por termos ficado doentes, e se a cura não veio é porque nossa fé é pequena.

Desde o fim do meu tratamento tenho pensado em tudo que vivi em razão do desconhecimento de todos os tabus que envolvem o câncer, dos equívocos e das crenças limitantes que me fizeram duvidar de tantos milagres que vivenciei e que vieram até mim em forma de médicos, medicamentos, orações, flores, marmitas, visitas e muito amor.

Há um tempo atrás eu disse que eu passei pelo vale da sombra da morte e vivi o Maior Amor do Mundo, me propus a viver o Milagre, e se você por acaso estiver vivendo essa jornada, confie nos médicos, aceite a medicação, se informe sobre possibilidades, novidades, não se importe com os olhares ou palavras sem noção, cuide da sua saúde mental e nunca desista.

Estamos no Outubro Rosa e esse desabafo é apenas pra alertar a todos aqueles que passam por isso ou convivem com um paciente com câncer: não duvidem da cura, não olhem com pena, não culpem o doente pela doença e se não tiver nada de bom pra falar, apenas abrace.

 

Ana Claudia Aparecida Lisboa é Analista Administrativa da Área Meio do Poder Executivo, Advogada, Especialista em Direito Administrativo, Processo Administrativo, Pós Graduada em Gestão Pública, Pós Graduada em Gestão de Projetos, Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sobrevivente de um Câncer de Mama Her2+

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