LEOMAR DARONCHO
A história do nosso arranjo social também é contada por convenientes e constrangedoras omissões. Algumas, muito antigas! Por intermédio da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, fomos o último país da América a abolir, formalmente, a escravidão. A prática foi tolerada por 300 anos, com respaldo legal. Mas, segundo informa a Organização Internacional do Trabalho – OIT, ainda temos escravos.
Em diversas situações, persistem nichos de atividades econômicas com trabalho em condições catalogadas como análogas às de escravo.
A escravidão contemporânea, porém, atinge todas as cores, sendo praticada tanto no meio urbano quanto no rural. A marca comum é o trabalho forçado e/ou a prestação de trabalho em condições de indignidade. Não é raro encontrar o ser humano sendo controlado por meio de fraude ou ameaça. Há relatos de violência à integridade física, à liberdade e/ou à vida.
Nosso Código Penal considera crime a exploração do trabalho análogo ao de escravo (artigo 149). Em 2014 foi aprovada Emenda Constitucional 81/2014, que prevê a expropriação de imóveis urbanos e rurais onde for constatada a exploração de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário, e sem prejuízo das demais sanções legais.
Mas o combate a essa prática é difícil.
Nesse contexto, Eratóstenes de Almeida, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e Ailton Pereira de Oliveira são mártires da luta pela erradicação do trabalho escravo no Brasil. Os Auditores-Fiscais do Trabalho (três primeiros referidos) e o motorista do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE foram assassinados durante uma investigação de trabalho escravo em Unaí – MG.
À bárbara chacina, o tempo acrescentou a sensação de impunidade. Embora a morosidade dos meandros do nosso arrastado Processo Judicial seja bastante conhecida, já se passaram 13 anos desse assombroso episódio. A sociedade continua aguardando a condenação e a punição dos mandantes do crime.
Em homenagem aos Auditores assassinados o dia 28 de janeiro passou a ser lembrado como o dia nacional de combate ao trabalho escravo.
Mas as dificuldades do enfrentamento dessa chaga que envergonha a nossa sociedade perante o mundo civilizado não param por aí.
A Inspeção do Trabalho apresenta déficit no quadro de Auditores. Há cerca de 1.100 cargos vagos. E o número cresce, pois não há reposição compatível nos cargos que vão vagando. A falta de fiscalização milita a favor do agravamento do problema.
As dificuldades operacionais e orçamentárias do Ministério do Trabalho também determinaram a redução no número de operações. Em 2013, foram realizadas 189.
Em 2016, despencou para 108. Com isso, o número de alvos de inspeções caiu para o mais baixo número desde 2002: apenas 182 estabelecimentos.
Noutro flanco, o Cadastro de Empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo (Lista Suja) era um mecanismo reconhecido internacionalmente pela eficiência. Ainda assim, o governo federal, num período recente, vem resistindo em divulgar a atualização dos dados.
Em dezembro de 2016, a Justiça do Trabalho reconheceu a “injustificável omissão” do Ministério do Trabalho. Na decisão, o juiz destacou que isso “esvazia a política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil”.
A liminar ainda não foi cumprida. O MPT, autor da ação judicial, e a sociedade brasileira, aguardam que mais essa amarra seja desfeita.
Diante desses grilhões, não é surpresa que o número de resgatados em 2016 (660 trabalhadores) tenha caído 34% em relação a 2015. Trata-se do menor número de resgates desde o ano 2000.