CLÁUDIO MORAES
DO DOCUMENTO
Relatório das escutas feitas pela Polícia Federal durante as investigações que culminaram com a "Operação Ararath" em novembro levanta suspeitas gravíssimas sobre o suposto pagamento ilegal de um precatório no valor de R$ 112,6 milhões a empresa Encomind Engenharia, Comércio e Indústria Ltda. O débito foi pago pelo Governo do Estado, durante a gestão do ex-governador e atual senador Blairo Maggi (PR), em 17 pagamentos entre os anos de 2008 e 2010 de acordo com dados do Fiplan (Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças).
Dados revelam que somente de juros pela dívida do Estado, a empresa recebeu o montante de R$ 80 milhões. Os demais valores se referem ao não pagamento de obras executadas na década de 90.
As escutas flagram a advogada da Encomind, Juliana Borges Moura Pereira, dialogando com a mãe, ainda não identificada, sobre a abertura de um procedimento investigatório do Ministério Público Estadual para investigar os pagamentos. Ela conta que um dos ex-sócios da empresa recentemente vendida para a construtora Guaxe, de Tangará da Serra, estaria se negando a assinar uma procuração porque estaria "nervoso" com a abertura de uma investigação pelo Ministério Público Estadual, através do promotor Roberto Aparecido Turim, sobre o pagamento milionário.
"Depois que eu fui ver porque ele está nervoso. Estourou no Ministério Público Estadual. O Roberto Turim mandou eles devolverem aquele dinheiro que Blairo... Pediu informação a secretaria de Fazenda e tudo e pedindo esclarecimento desses repasses", comenta a advogada em diálogo interceptado. Ela ainda cita que o assunto teria sido descoberto após reportagens feitas sobre o assunto pelo site Midianews, através do repórter Rodrigo Vargas.
Mais a frente, Juliana Borges Moura Pereira comenta que um dos ex-sócios da Encomind, Carlos Garcia Bernardes, de 62 anos, poderia ter se suicidado em fevereiro de 2012 numa casa de veraneio no Lago do Manso, em Chapada dos Guimarães, diante do cerco fechado diante das investigações do MPE. "E o Zampieri falou que o senhor Carlos suicidou por causa disto. Desse negócio que tinha saído de cento e tantos milhões", assinalou, ao acrescentar que "eles vão responder por improbidade".
Ao final, a mãe da advogada diz que ele não tem nenhuma ligação no processo de pagamento do precatório milionário. "Não tem nada a ver com você. Pode ficar descansada", afirmou.
Juliana Borges Moura Pereira aparece em dezenas de escutas da Polícia Federal por ser advogada da Encomind e uma das pessoas de confiança do empresário Rodolfo de Campos, ex-sócio da empresa. Ele é suspeito de tráfico de influência, de acordo com a Polícia Federal, por ter obtido uma decisão judicial a Encomind dada pelo juiz federal Julier Sebastião da Silva, também investigado na "Operação Ararath".
A advogada já havia sido flagrada tentando vender em 2012 um dossiê com supostas fraudes em obras da Copa em Mato Grosso. Ela e outros familiares estariam negociando com o senador Pedro Taques (PDT) um dossiê pelo valor R$ 1,5 milhão contra o então secretário extraordinário da Copa, Éder Moraes Dias (PMDB).
ORIGEM DO PRECATÓRIO
O pagamento dos R$ 112,6 milhões do Governo de Mato Grosso a empresa Encomind é cheio de artimanhas jurídicas. O débito surgiu através de uma ação judicial protocolada em 2004 em que a empresa solicitava o recebimento de juros e multas pelo atraso de pagamento de obras realizadas entre 1987 e 1990 para os extintos Cohab (Companhia de Habitação de Mato Grosso), Dermat (Departamento Matogrossense de Estradas e Rodagens) e DVOP (Departamento Viação e Obras Públicas).
Em primeira e segunda instâncias, a Encomind conquistou decisões favoráveis e foi incluída na "fila cronológica", o que poderia fazer com que a empreiteira demorasse décadas para receber o débito. Todavia, o Estado emitiu dois decretos em abril e agosto de 2008 para que a empresa tivesse o direito de receber os valores administrativamente.
Os decretos foram assinados a época pelo então governador Blairo Maggi e os secretário Eumar Novacki (Casa Civil), Éder Moraes (Fazenda) e Vilceu Marchetti (Infraestrutura). Além da Encomind, outras empresas receberam valores milionários atraves do mesmo modelo.
São elas: Andrade Gutierrez (R$ 276 milhões); Encomind (R$ 132 milhões); Conenge Construção Civil (R$ 765.101,22); Engevix Engenharia e Construções (R$ 1.348.962); Cohabita construções Ltda (R$ 11.461.591,76, destinados para pagamento ao credor DM Construtora de Obras Ltda) e Airoldi Construções Ltda (R$ 647.187,61). Através deste modelo, foram pagos cerca de R$ 500 milhões para empresas de grande porte no segmento de construção civil.
Em março de 2012, o MPE abriu uma investigação sobre o caso. Todavia, após um ano e nove meses, não houve uma conclusão sobre os levantamentos para verificar a legalidade dos pagamentos.